Ivan Valente
Dep. Federal - PSOL/SP
O conjunto dos trabalhadores, incluindo os profissionais de educação, estão sob ameaça de retirada de direitos e uma série de ataques no último período. Entre eles encontra-se o Projeto de Lei 4330/04, já aprovado na Câmara Federal, que versa sobre a terceirização dos serviços e funções em todas atividades laborais. O Projeto de Lei, agora em apreciação no Senado Federal, autoriza que as chamadas “atividades fins” sejam terceirizadas, enquanto hoje há uma compreensão jurídica de que a prática somente é permitida nas “atividades meio”, ou seja, aquelas que não estão diretamente relacionadas com a finalidade da empresa ou instituição. Para as escolas, isso se traduziria na possibilidade de terceirização da função docente, considerando o processo de ensino-aprendizagem a atividade fim de uma instituição educacional.
Concretamente, o que o Brasil já vem assistindo é um percentual altíssimo de serviços terceirizados, especialmente nas áreas de limpeza e segurança, inclusive nas escolas públicas e privadas. Antes de discorrer sobre os efeitos específicos da terceirização na educação, vale destacar o significado desta política para os trabalhadores em geral: terceirização significa precarização do trabalhador e desmonte dos direitos trabalhistas. Profissionais terceirizados ganham cerca de 25% a menos que os contratados diretamente, trabalham em média 3 horas semanais a mais, possuem maior rotatividade no emprego, não tem participação nos lucros, correm maior risco de acidentes e sofrem mais discriminações no serviço. Cabe destacar que a terceirização gera maior abertura para a corrupção e é recorrentemente utilizada por empresas que buscam fugir das suas obrigações trabalhistas. Como exemplo, é importante citar que segundo o Ministério Público do Trabalho, das 36 libertações de trabalhadores em situação análoga a de escravos em 2014, 35 eram funcionários terceirizados. Por fim, e igualmente grave, a terceirização gera o enfraquecimento da organização sindical, das entidades e do sindicalismo como um todo.
Ressalte-se que a política de terceirizações foi iniciada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na década de 90 e, se aprovada, será intensificada no segundo governo Dilma. Ainda que possamos afirmar que foi o atual Congresso Nacional, com uma composição das mais conservadoras da história sob o comando de Eduardo Cunha (PMDB), que demostrou maior interesse na aprovação do PL 4.330/04, fica cada dia mais evidente a responsabilidade do governo federal com a retirada de direitos dos trabalhadores, sobretudo com a edição das Medidas Provisórias 664 e 665, também em processo de votação no legislativo e que alteram essencialmente regras para benefícios previdenciários e de seguridade social, como restrições ao seguro desemprego.
Portanto, fica evidente que a flexibilização das terceirizações precarizam ainda mais as relações de trabalho e são altamente prejudiciais à sociedade brasileira como um todo. Ainda assim, cabe destacar ao menos três aspectos que, dentro da nossa concepção de educação, acentuam ainda mais os problemas da terceirização nessa área.
A terceirização dos trabalhadores mexe, sobretudo, com as relações internas das escolas. Relações que são cada vez mais hierarquizadas, distanciadas entre colegas e que criam, no mesmo ambiente, profissionais de primeira e de segunda linha. Se consideramos as relações estabelecidas entre alunos, professores, funcionários e comunidade escolar como um fator importante no processo educacional, nos parece óbvio que alterar as relações trabalhistas, precarizando-as, altera também as relações intramuros da escola entre profissionais e com os alunos e suas famílias. A terceirização distancia o profissional daquele lócus de trabalho, pois ele não é funcionário daquele lugar, e sim “está lá de passagem”. Estendida essa relação à função docente, isso pode ser catastrófico. A diminuição do vínculo do professor com o local de trabalho é algo altamente indesejado para a construção de uma escola que se proponha plural, participativa e que tenha como princípio a gestão democrática. Se ampliarmos para as outras funções, já temos a atual realidade notória das escolas onde há funcionários terceirizados de limpeza e segurança, fazendo com que esses profissionais pouco se envolvam com o projeto pedagógico e muito menos se sintam parte de um coletivo amplo de educadores.
Um segundo aspecto a ser destacado é o fato de que alguns tipos de terceirização já estão acontecendo na área educacional: a terceirização de parte do trabalho docente, como o pensar sobre seus próprios projetos e propostas pedagógicas. A adoção, por exemplo, de apostilas e sistemas de ensino delegam a terceiros o pensar do professor e retiram a sua condição de sujeito do processo educacional, sendo transformado em um mero executor de um programa externamente definido. Programa que atende aos interesses de grandes empresas do ramo educacional, e consequentemente, ao mercado financeiro.
O terceiro aspecto é a constatação de que, em momentos de “crise financeira”, são os trabalhadores mais precarizados que pagam as contas. O caso recente das universidades federais, por exemplo, é simbólico: a partir de uma política de ajuste fiscal, com a diminuição de verbas para o custeio das atividades, foram os trabalhadores terceirizados os primeiros a sofrerem as consequências com salários atrasados, diminuição no quadro de funcionários e consequentes demissões que são mais “facilmente” agilizadas quando tratadas com um empregador intermediário. O setor educacional público tem sentido a cada dia a ação dos interesses privatistas. Recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu que a administração pública pode repassar a gestão de escolas e universidades para entidades privadas, como as organizações sociais (OSs), gerando uma situação em que professores podem ser contratados via OSs sem concursos públicos, descaracterizando o próprio atendimento público estatal, desresponsabilizando o Estado e terceirizando a administração pública.
Essas medidas atendem somente os interesses daquele que pregam a mercantilização da educação e que avançam, em passos largos, no sucateamento da educação básica e do ensino superior no país, como vemos acontecer com as grandes fusões de empresas do setor educacional e a ampliação desenfreada da educação à distância na formação inicial, em detrimento da qualidade da educação. A terceirização dos trabalhadores é mais um instrumento para o avanço dessa concepção.
O recado é claro: quanto mais precarizado o trabalhador, maior a possibilidade de exploração, alienação, segregação e dificuldade de organização coletiva e reivindicação. Assim reiteramos que é preciso resistir às mudanças em tramitação no Congresso Nacional, barrando esse e outros retrocessos, em defesa dos direitos dos trabalhadores.