Por José Geraldo de Santana Oliveira

Segundo a mitologia grega, Diógenes de Sínope, filosofo e fundador da Escola Cínica- que não guarda nenhuma sintonia como o adjetivo e substantivo cínico, pois que pregava a virtude-, tinha por hábito sair à rua, em pleno dia, com a primitiva versão de lanterna, à procura de um ser humano que vivesse segundo a sua virtude; não tendo jamais o encontrado.

Quem, hoje, cometer o desatino de imitar Diógenes, fazendo-o à procura de um projeto de lei (PL) que possua virtude e que, por conseguinte, vise a contribuir para a consolidação da cidadania; por certo, terá a mesma decepção do citado filósofo, ou seja, não o encontrará.

O Congresso Nacional, com mais vigor a Câmara Federal, na atual legislatura, é adepto do cinismo, mas, como deboche, zombaria, escárnio e sarcasmo, quanto aos valores sociais do trabalho- um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme o Art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal (CF)- e dos direitos  fundamentais sociais que dele decorrem. Assim o é, porque todos- ou quase todos, os PLs que nele tramitam zombam deste fundamento, não medindo esforços para reduzir ao rés-do-chão, que é o nível mínimo- abaixo do qual não há nada- todos os direitos fundamentais que, como já se disse, dão-lhe efetividade, e acham-se elencados, de maneira exemplificativa, em trinta e quatros incisos do Art. 7º, da CF.

Provam isto, o PL N. 4330/2004- PLC N. 30/2015, agora, no Senado Federal-, e o resultante da conversão da Medida Provisória (MP) N. 680, ironicamente, chamada de programa de proteção ao emprego, mas que, a rigor, somente protege o capital; pois, ao permitir a redução dos salários, em até 30% (trinta por cento), transfere os riscos do empreendimento aos trabalhadores, em total afronta ao fundamento retroaprontado e ao Art. 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Pois é, a Câmara Federal cuidou de tornar a comentada MP em algo muito mais indecente do que já o era. Por proposta do Relator, Deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), acolhido pela maioria regimental, foi nela introduzido, de soslaio, uma marota emenda, que dá prevalência ao negociado sobre o legislado. Esta emenda resgata antiga pretensão do empresariado- basta que se recorde da famigerada Emenda 3, retirada do Congresso pelo Presidente Lula, logo após a sua assunção ao cargo de Presidente da República, em 2003-, e tem por escopo a redução e supressão de direitos, sob o manto da legislação.

Com base na emenda, ora aprovada pela Câmara Federal, que acresce dois §§, ao Art. 611, da CLT, os instrumentos coletivos de trabalho, acordos e convenções podem tudo, inclusive reduzir e suprimir direitos consagrados pela CF, pela CLT e por todas as demais normas protetivas dos valores sociais do trabalho.

Frise-se que o Art. 7º, inciso XXVI, da CF, reconhece a prevalência do negociado sobre o legislado, desde que aquele tenha por escopo a ampliação de direitos, como se colhe do seu caput,  que assevera: “São direitos dos trabalhadores, urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”; elencando, a seguir, trinta e quatro direitos.

Porém, o que se busca, com a realçada marota emenda, é diametralmente oposto ao que preconiza a CF: busca-se a validação dos instrumentos coletivos, para a redução e a supressão de direitos. Isto é,  busca-se o desvalor social do trabalho e a supervalorização do capital. Repete-se velha prática conhecida dos trabalhadores brasileiros, desde o início da República, em 1889, que se assenta no binômio:  privatização do lucro e  socialização das perdas; e que foi repetida pela ditadura militar, com o chamado crescimento do bolo econômico, para, no dia do nunca reparti-lo; e, também, pelos governos de Fernando Collor e de Fernando Henrique Cardoso, sob a roupagem do estado mínimo, para os trabalhadores, e máximo, para o capital.

Esta ‘inovação’ legal, além de afrontar os Arts. 1º, 7º, 170 e 193, da CF, o 2º, o 9º, e o 444, da CLT; afronta, igualmente, a recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)- que  já representa um grave retrocesso para as relações de trabalho-, firmada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) N. 590415-SC, segundo a qual os instrumentos coletivos de trabalho (normas autônomas), para prevalecerem sobre as leis (normas heterônimas), tem de respeitar o padrão civilizatório mínimo- palavras do Relator, Ministro Roberto Barroso. O que passa ao largo da alteração legislativa sob comentários.

Os argumentos dos defensores de tal alteração legal, além de desonestos, são frágeis e não resistem o menor sopro de realidade; pois que não cuidam, nem ao menos, de assegurar a chamada paridade de armas entre entidades sindicais de trabalhadores e de empregadores.

Esta paridade somente existiria se se desse efetividade ao inciso I, do Art. 7º, da CF, que proíbe a dispensa arbitrária ou sem justa causa; se houvesse punição rigorosa para as rotineiras práticas sindicais patronais; se não houvesse nenhuma intervenção na organização sindical, hoje, maculada pela inviabilização do direito de greve; pelo Precedente Normativo (PN N. 119, do TST, que nocauteia as entidades sindicais, proibindo-as de cobrarem contribuições dos não associados; pela extinção sistemática dos dissídios coletivos de natureza econômica; e pela cerrada perseguição do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Falar em livre negociação e em paridade de armas, no contexto atual, em que os empregados não possuem nenhuma garantia, e o poder dos empresários tem o céu como limite- como falam os defensores da alteração imposta ao Art. 611, da CLT-, nada mais é do que grosseira hipocrisia.

Por tudo isto, o movimento sindical é convocado para mais esta árdua batalha; que, se for vencida pelos asseclas do capital, com certeza, representará passo certeiro para transformar o Brasil em um País, politicamente democrático e socialmente fascista- parafraseando o Sociólogo Português Boaventura Souza Santos.


Mais Lidas