Eu me senti moralmente agredido com a frase que ecoou em grandes jornais no decorrer da primeira semana de fevereiro de 2017: “um homem de 32 anos foi detido por pichar na AV. 23 de Maio”.

Eu sou esse homem de 32 anos e digo que o problema não é o verbo pichar e nem o ato em si; e nem o substantivo da palavra pichador, porque eu estudo e ensino arte urbana e sei muito bem o significado dessa palavra e da ação em si, e sei bem que ela não tem o peso criminal as quais as manchetes de jornais noticiaram – subjetivamente - como um ato de alto grau de criminalidade. Como eu tentei me explicar para as autoridades que me abordaram, eu estava fazendo um trabalho “sem autorização” por me sentir indignado com a medida da administração municipal por ter apagado sem nenhuma consulta aos artistas que assinaram as diversas obras de artes urbanas que ocupavam os muros da Avenida 23 de Maio. Eu estava indignado por saber que haviam detido o grafiteiro Mauro, apenas porque ele tentou recuperar o seu trabalho. Eu também tive um trabalho assinado no mesmo projeto, inclusive a convite do próprio Mauro que foi um dos curadores.

Nós artistas urbanos, conquistamos o reconhecimento pela arte que desenvolvemos aqui em São Paulo e em todo o Brasil e todos os trabalhos que estavam pintados, colados e impressos nos muros da 23 de Maio, desde 2015, expressavam essa conquista: a conquista do reconhecimento artístico, a conquista pela livre utilização do espaço público aberto e, sobretudo, a conquista pela liberdade de expressão com os nossos trabalhos; e o respeito à diversidade estética e de linguagem em cada trabalho.

O protesto que eu fiz foi um ato simbólico de resistência; eu nunca tive a intenção de medir força com a opinião particular do atual prefeito; o protesto foi pela medida tomada pela atual administração municipal que ignorou a autorização que tínhamos para que os trabalhos permanecessem pintados até estarem realmente necessitados de reparo. Porque a forma com que os trabalhos foram cobertos pela cor “cinza sem sentido”, eu compreendo como abrupta.

A proposta do trabalho que foi interceptado pelas autoridades duraria algumas horas de exposição e teria sido apagada no mesmo dia por mim mesmo: seria a pintura de uma pessoa soltando chamas de fogo pela cabeça, simbolizando o estresse do paulistano e que questionaria: qual o motivo de tanta manifestação de sentimento de ódio? Eu jamais escreveria coisas como manifestação de ódio a pessoa alguma, quem me conhece sabe disso. O ato em si, que foi protesto sim, foi para ocupar um espaço da parede por algumas horas, - que está no espaço público aberto, que permanece danificado com umidade aparente - para expor o meu trabalho com a minha contribuição artística. No entanto eu fui reprimido e levado para depor na delegacia. Além da experiência ruim de ter sido conduzido até a delegacia eu me senti envergonhado por estar naquela situação - por aquela situação estar impedindo que os profissionais de segurança pública estivessem de fato fazendo um trabalho relevante de zelar pela segurança da cidade, para combater crimes relevantes.

Eu sou o TV, artista visual e educador. O meu trabalho é de produção e exibição de painéis e peças de arte urbana; No meu trabalho como arte educador, eu faço a mediação do aprendizado de adolescentes, jovens e adultos quanto ao conhecimento em artes visuais e cultura.

Sou um pesquisador de arte urbana e reconheço todas as suas formas de expressão. Sou um militante desse tipo de arte, porque acredito no potencial transformador que ela tem para qualquer indivíduo que consiga apreciá-la. A minha formação cidadã se deve muito a ela também. Eu já participei de muitos projetos sociais, culturais e educacionais junto a notáveis instituições dos três setores, para a formação técnica e intelectual de muitos indivíduos e tenho orgulho disso.

Eu fui o idealizador da Escola Livre de Artes Urbanas, a ELAU, que existe há dois anos e está sediada no centro da cidade de São Paulo e que já atendeu mais de 100 pessoas interessadas em conhecer sobre arte urbana; eu tenho mais de 15 anos de trajetória artística. Eu pago os meus impostos com o suor desse trabalho árduo e difícil. O homem de 32 anos que foi preso por pichar a 23 de Maio é um cidadão de bem que defende a livre utilização do espaço público e que preza pela liberdade de expressão da pessoa humana. Eu não sou o homem “criminoso” que a imprensa noticiou. Eu guardo comigo cópias de autorização dos trabalhos em espaços públicos e privados porque para um artista urbano isso é um amparo para realizar o seu trabalho sem ter problemas com as autoridades, mas eu acredito que quando há o abuso de poder por quaisquer que seja a administração municipal, e quando ela não optar pelo diálogo, nós, artistas urbanos, como sociedade civil, temos o direito de nos expressarmos contrários - mesmo que tenhamos que usar da nossa transgressão para evitar que os efeitos de tais medidas impostas pelo poder público sejam irreversíveis.


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