Questões como infraestrutura, evasão escolar e situação financeira dos alunos podem ser empecilhos para o sucesso da proposta
O Governo do Estado de São Paulo anunciou recentementeque pretende expandir o modelo de ensino integral para mais 56 escolas públicas no próximo ano. A medida visa aumentar a qualidade do ensino nessas instituições ao trabalhar com professores de dedicação exclusiva e com salário elevado, oferecer disciplinas eletivas para os alunos e ampliar o tempo de permanência deles na escola.
No entanto, Raquel Souza, pesquisadora da ONG Ação Educativa, ressalta que essa proposta está sendo feita a partir de um modelo adotado na Cidade do Recife e não a partir de um plano elaborado e discutido com a sociedade paulista.
De acordo com Raquel, o Estado deveria ter um plano de educação construído por meio de um debate amplo para definir a partir de consensos possíveis quais são os objetivos a serem atingidos e qual é o modelo mais adequado para atendê-los. Além disso, o próprio papel da escola e o que deve garantir precisa ser pensado, uma vez que a escola não pode dar conta de todas as dimensões da vida do aluno.
Deixar os estudantes na escola durante todo o dia significa também tirar deles um tempo de convivência com a família, com os amigos e até mesmo privá-los de momentos que poderiam ser utilizados para vivências e experimentações culturais e de circulação pela cidade, afirma a pesquisadora da Ação Educativa.
Dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em janeiro deste ano mostram que no estado de São Paulo a taxa de evasão escolar no ensino médio é de 45,6%. Isso mostra que a permanência na escola tem se mostrado pouco atraente para o jovem.
Diante deste cenário, Ana Paula Corti, mestre em ciências sociais pela Universidade Federal de São Carlos e professora de ensino médio no IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo), diz que lhe causa certo estranhamento o Estado sugerir aos alunos ainda mais tempo na escola com a implantação do ensino integral.
Corti ainda questiona: “se [o Estado] não faz educação de meio período de qualidade, por que faria educação de período integral de qualidade”? Para ela, o estado está errando o foco ao tentar conquistar o interesse dos alunos por meio de disciplinas eletivas, quando as prioridades deveriam ser tornar o ensino de disciplinas como português e matemática atraentes e melhorar a infraestrutura das escolas com a instalação de mais laboratórios e bibliotecas.
Outro desafio para uma implantação bem sucedida do ensino integral é garantir que todos os jovens tenham acesso a esse modelo diferenciado de educação, observa Raquel Souza. Ela teme que no médio prazo se criem oportunidades desiguais entre os jovens que podem e os que não têm a possibilidade de permanecer na escola em tempo integral.
No ensino médio, essa impossibilidade de cursar escolas de tempo integral pode se dar por dois meios: falta de capacidade do Estado de implantar o modelo em toda a rede pública; dificuldades por parte dos alunos que precisam conciliar estudo e trabalho.
Atualmente, a maior parte das escolas de ensino médio trabalha com 3 turnos (manhã, tarde e noite) para dar conta da demanda educacional de todo o estado. Para ampliar a jornada diária de aulas dos alunos, seria necessário eliminar um dos turnos e, consequentemente, os alunos deste período precisariam ser alocados em outros espaços, ou seja, seria necessário construir um número considerável de novas escolas para acomodar todos os estudantes.
Dados de 2009 divulgados pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram que no Brasil aproximadamente 25,59% dos jovens na faixa dos 15 aos 17 anos trabalham, isso representa mais de 3 milhões e 700 mil pessoas. Raquel informa que, de acordo com a tendência nacional, muitos estudantes paulistas precisam conciliar estudo e trabalho por conta da situação socioeconômico de suas famílias e que isso não pode ser ignorado.
Para Ana Paula Corti o aluno do ensino noturno tem um desafio maior quanto aos estudos, mas isso não significa que eles sejam desinteressados. De acordo com ela, há muito preconceito em relação a este turno do ensino médio, mas este é um período que faz parte das características da educação paulista e não pode ser desprezado.
Quanto ao trabalho durante a juventude, Corti afirma que a partir de sua própria experiência, que precisou estudar à noite e trabalhar durante o ensino médio, não enxerga o trabalho como um empecilho para os estudos. E vai além ao dizer que o trabalho também pode ensinar e ser uma experiência rica, trazendo inclusive mais maturidade para os alunos.
Fonte: TV Cultura