Arrogância e preconceito*
Silvia Barbara**
Leia com atenção o trecho transcrito do artigo "Educação como caminho", publicado no jornal O Estado de S. Paulo (05/01/2009, A-2). Ele refere-se às professoras de educação básica:
A maior participação da mulher no mercado de trabalho trouxe outras opções de carreira para as mais talentosas [grifo meu] . Anteriormente, se uma mulher desejasse trabalhar, a única possibilidade socialmente aceita era ser professora.
Acredite: a autora dessa pérola foi nomeada secretária de educação do município do Rio de Janeiro. Trata-se da economista Cláudia Costin, vice-presidente da Fundação Vitor Civita, ex-ministra de Administração do governo FHC, ex-secretária de Cultura do governo Alckmin. Segundo seus próprios critérios, ela faz parte do seleto grupo das "talentosas" que conseguiram fugir do magistério...
Chegamos a esse nível. A futura secretária de educação do Rio de Janeiro expressa, sem pudor, sua visão do magistério. Uma carreira destinada a quem não pôde escolher outro caminho, por falta de opção ou capacidade pessoal.
O artigo é de segunda mão, já que possui trechos literalmente copiados de outro - "Formação docente e qualidade de ensino" -, da mesma autora, publicado na Folha de S. Paulo, em 05/11/2008. Isso, no momento, é irrelevante. Importa mesmo é o conteúdo, porque ele expressa o baixo nível de debate sobre a educação e o magistério.
Num país onde todo mundo acha que entende muito de educação, algumas pessoas perderam a vergonha de falar qualquer bobagem e o que é pior: muitas delas têm espaço garantido na grande imprensa. O diagnóstico é pautado pelo senso comum, recheado por chavões. A solução é sempre simplória: basta encontrar um culpado. Quase sempre o professor.
Se até certo tempo o problema estava na chatice do professor, agora bola da vez está na sua (má) formação ou no seu desestímulo, já que ele só dá aula porque não tem "talento" para exercer outra função. É um discurso que oscila entre a condescendência (que vê o professor como um coitado) e a hostilidade (que o trata como o principal empecilho à aprendizagem). Não importa o tom, o resultado é um só: a desqualificação - pública e irresponsável - do trabalho docente. Parece que ninguém se dá conta de como esse bombardeio constante afeta a sala de aula e se reflete negativamente na qualidade da educação. Por dois motivos.
Em primeiro lugar, os professores passam a ter o seu trabalho ditado pelos "gestores da educação" que não estão em sala de aula, mas se arrogam no direito de interferir no trabalho docente. Quase sempre para pior. Em segundo lugar, porque mina um dos princípios basilares do processo educativo, gostem ou não os modernosos: a autoridade do professor.
É possível que uma alternativa - não a única - para a educação esteja numa receita antiga: permitir que o professor exerça a sua principal função - a de ensinar - e resgatar socialmente a autoridade docente. Em outras palavras: parar com essa desqualificação inconsequente.
Quanto à Costin, ela é apenas um triste exemplo do embuste que tem dominado o debate sobre a educação.
*Esse artigo foi escrito em 05/01/2009 e publicado originalmente no site do Sinpro-SP, em 07/01/2009.
**Silvia Barbara é professora de Geografia e diretora da Fepesp e do Sinpro-SP.
Por Silvia Barbara**
Leia com atenção o trecho transcrito do artigo
"Educação como caminho", publicado no jornal O Estado de S. Paulo (05/01/2009, A-2). Ele refere-se às professoras de educação básica:
A maior participação da mulher no mercado de trabalho trouxe outras opções de carreira para as mais talentosas [grifo meu] . Anteriormente, se uma mulher desejasse trabalhar, a única possibilidade socialmente aceita era ser professora.
Acredite: a autora dessa pérola foi nomeada secretária de educação do município do Rio de Janeiro. Trata-se da economista Cláudia Costin, vice-presidente da Fundação Vitor Civita, ex-ministra de Administração do governo FHC, ex-secretária de Cultura do governo Alckmin. Segundo seus próprios critérios, ela faz parte do seleto grupo das "talentosas" que conseguiram fugir do magistério...
Chegamos a esse nível. A futura secretária de educação do Rio de Janeiro expressa, sem pudor, sua visão do magistério. Uma carreira destinada a quem não pôde escolher outro caminho, por falta de opção ou capacidade pessoal.
O artigo é de segunda mão, já que possui trechos literalmente copiados de outro - "Formação docente e qualidade de ensino" -, da mesma autora, publicado na Folha de S. Paulo, em 05/11/2008. Isso, no momento, é irrelevante. Importa mesmo é o conteúdo, porque ele expressa o baixo nível de debate sobre a educação e o magistério.
Num país onde todo mundo acha que entende muito de educação, algumas pessoas perderam a vergonha de falar qualquer bobagem e o que é pior: muitas delas têm espaço garantido na grande imprensa. O diagnóstico é pautado pelo senso comum, recheado por chavões. A solução é sempre simplória: basta encontrar um culpado. Quase sempre o professor.
Se até certo tempo o problema estava na chatice do professor, agora bola da vez está na sua (má) formação ou no seu desestímulo, já que ele só dá aula porque não tem "talento" para exercer outra função. É um discurso que oscila entre a condescendência (que vê o professor como um coitado) e a hostilidade (que o trata como o principal empecilho à aprendizagem). Não importa o tom, o resultado é um só: a desqualificação - pública e irresponsável - do trabalho docente. Parece que ninguém se dá conta de como esse bombardeio constante afeta a sala de aula e se reflete negativamente na qualidade da educação. Por dois motivos.
Em primeiro lugar, os professores passam a ter o seu trabalho ditado pelos "gestores da educação" que não estão em sala de aula, mas se arrogam no direito de interferir no trabalho docente. Quase sempre para pior. Em segundo lugar, porque mina um dos princípios basilares do processo educativo, gostem ou não os modernosos: a autoridade do professor.
É possível que uma alternativa - não a única - para a educação esteja numa receita antiga: permitir que o professor exerça a sua principal função - a de ensinar - e resgatar socialmente a autoridade docente. Em outras palavras: parar com essa desqualificação inconsequente.
Quanto à Costin, ela é apenas um triste exemplo do embuste que tem dominado o debate sobre a educação.
*Esse artigo foi escrito em 05/01/2009 e publicado originalmente no site do Sinpro-SP, em 07/01/2009.
**Silvia Barbara é professora de Geografia e diretora da Fepesp e do Sinpro-SP.