Os agrotóxicos – ou veneno ou pesticida, como preferem denominá-los seus críticos – têm presença forte na mesa dos brasileiros e são mortais. Para quem trabalha nas plantações, a morte vem rápida e pode ser mais facilmente associada aos pesticidas. Para quem mora nas cidades, a aparente distância dos agrotóxicos esconde que mortes por câncer e outras doenças podem ter sido causadas por essas substâncias.
Porém, segundo dados oficiais da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), 64% dos alimentos consumidos no Brasil estão contaminados. O número muito provavelmente é maior que esse, em virtude de o mais usado agrotóxico, o glifosato, estar livre de monitoramento, por uma conveniência aberta pela legislação. E a ciência já tem comprovado que há potencial cancerígeno nos herbicidas – sem falar em outras doenças.
As mortes diretamente causadas pelos agrotóxicos atingiram média de 170 trabalhadores do campo ao ano, no período entre 1999 e 2009. São duas por dia. Cinco vezes mais que os assassinatos motivados por conflitos fundiários registrados pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) no período.
Nesse mesmo decênio, as intoxicações sem morte somaram 62 mil casos. São números oficiais, mas acredita-se em subnotificação.
Nada disso tem sido suficiente para que os agrotóxicos sejam combatidos de maneira sistemática no Brasil, que aplica em suas grandes plantações o equivalente a 84% de todo o agrotóxico consumido na América do Sul.
Ao contrário. Com a ajuda da mídia, dos governos e dos poderes legislativo e judiciário, os fabricantes de agrotóxico têm grande facilidade para impor a imagem de eficácia, segurança e, também, da inevitável necessidade de seu uso.
Esse é o panorama que pôde ser apreendido do seminário “Impactos dos Agrotóxicos na Vida e no Trabalho”, realizado na última quarta-feira em São Paulo. Tendo a CUT como uma das organizadoras, o seminário serviu também para apresentar na capital paulista o livro “Dossiê Abrasco: Impactos dos Agrotóxicos na Saúde”, um alentado trabalho de pesquisa organizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva, com a participação de 44 especialistas, na maior parte cientistas de algumas das mais importantes universidades brasileiras.
Da TV para o Congresso
Obra das mais poderosas indústrias químicas do mundo, os herbicidas têm trânsito livre para invadir o solo, os rios, os lençóis freáticos e acabar na torneira das residências ou na cenoura com que as famílias preparam as papinhas de seus bebês.
Karen: mídia estimula o uso dos venenosKaren: mídia estimula o uso dos venenos
Mais do que os aviões que os derramam sobre as plantações, os meios de comunicação são seus maiores difusores. Um exemplo vem do oeste baiano, onde a lagarta helicoverpa passou a atacar as plantações de algodão em 2012. “Os programas de TV apresentavam matérias sobre a praga, dando destaque à lagarta, mostrando em close a boca dela mordendo o algodão”, lembrou a biomédica Karen Friedrich, doutora em Ciência com especialização em Toxicologia.
“Criou-se um clima de terror, propício para que uma semente transgênica, que havia sido proibida dois anos antes pela Anvisa, passasse a ser usada por conta do que se chamou lei de emergência sanitária. Essa lei foi aprovada a toque de caixa pelo Congresso e, curiosamente, apenas dois dias depois um decreto já regulamentava a lei. Para eles o processo é sempre rápido”, criticou Karen.
As sementes transgênicas são criadas para resistir aos agrotóxicos, fabricados pelas mesmas empresas. Quando um agrotóxico, já assimilado pelas pragas, perde sua eficácia, usa-se uma semente transgênica que resistirá a pesticida mais potente.
Caso semelhante ocorreu em fevereiro deste ano, quando foi autorizado o uso de semente transgênica resistente ao pesticida 24d, que tem em sua fórmula substância que também compunha o temido agente laranja, despejado pelos Estados Unidos sobre as matas e os habitantes do Vietnã, durante a guerra que perderam entre os anos 1950 e 1970. Isso é claramente um estímulo ao uso cada vez mais intenso de venenos cada vez mais tóxicos, argumenta Karen.