Escrito pelo professor Silvio de Souza

O fechamento de uma escola significa o fechamento de um local de realizações dentro de uma determinada comunidade, onde milhares de pessoas construíram histórias, realizaram sonhos, viveram experiências únicas, selaram amizades de vida inteira, apaixonaram-se, presenciaram transformações, deslumbraram-se diante de filmes inesquecíveis, conheceram heróis, aprenderam lições de vida e reverenciaram professores que sempre aparecem nas lembranças.

A escola faz parte de nossa história, é uma referência, nos habita, assim como seus personagens. Fechá-las? Como assim? Não se fecha escolas, pois simplesmente elas são imprescindíveis, como disse um dia Brecht (OS QUE LUTAM: Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons; há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; porém, há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.)

A escola nos ensinou a lutar e resiste o tempo todo, a vida toda, contra toda uma sorte de desmandos de quem parece que não frequentou as cadeiras do Brasil. De quem atrás de uma mesa em um gabinete qualquer ousa decidir que está acima da história.

Como assim vai fechar o lugar onde dei meu primeiro beijo, onde me apaixonei pela primeira vez, onde conheci meus melhores e mais incríveis amigos, onde ganhei campeonatos mais importantes do que uma Copa do Mundo, onde aprendi a ser solidário, onde podia ousar, onde vivi desafios, onde realizei minhas primeiras experiências, onde adorava estar, onde podia ir sem desconfiança dos pais, onde encontrei professores simplesmente maravilhosos, onde cresci, onde pude ser desafiado, onde construí convicções, onde aprendi a voar, onde fui feliz? Não se passa uma borracha e pronto.

O fechamento de uma escola é um sepultamento e uma opção de negação de construção de novas e boas vidas.

Quem escreveu, pois não conheço, que é melhor uma sala de aula com 50 alunos do que duas com 25? Onde está estabelecido que se a sala de aula tiver 20 alunos ela deve ser fechada, pois significa gasto e não investimento? Qual pressuposto legal, dos tantos que produzem, estabelece que estas supostas salas ociosas não podem ser transformadas em espaços educativos, tais como laboratórios, salas de projeção, salas de leitura, salas de informática, bibliotecas, espaços de contação de histórias, museus, salas de sonhos, de namoros, de beijos e muito mais?

Como assim vai fechar minha escola? Sim, minha escola, pois é o local para onde vou todos os dias durante anos e aprendi a tê-lo como referência, sem contar o fato de que minha mãe e meu pai também estudaram na minha escola. E esse sentimento de pertencimento é muito bom. Lembro ainda do meu primeiro dia de aula. Será que os caras de trás das escrivaninhas lembram? Levei até um lanche, já que minha mãe considerou o fato de que o momento merecia aquele pão com mortadela.

Ouço dizer e até leio que a educação é a melhor forma de transformar uma sociedade para melhor. Então, se estão fechando escolas é porque (e será que querem que consideremos isto?) nossa sociedade já está suficientemente boa, justa, solidária, fraterna, desenvolvida. Enfim, já nos transformamos naquele país do futuro, com garantias individuais e coletivas consolidadas. Não há mais meninos e meninas vendendo balas, doces, água, nos faróis.

Há outra questão, que também procurei entre estudiosos da pedagogia, da medicina, das ciências e não obtive respostas. É melhor separar os alunos por idade e ter escolas somente para pequenos, somente para mais ou menos pequenos e somente para aqueles que cresceram um pouco mais?

Imagino na minha época, éramos em nove irmãos, sim, família-empresa. E não poderíamos hoje, quando nos reunimos, falar da nossa escola. Eu não poderia estudar na mesma escola do meu irmão e quando pudesse, meu outro irmão mais novo não estaria na mesma escola que eu.

Será que isso tem explicação séria, comprovada, de que separar os menores dos maiores é melhor mesmo?

Assim, se a escola prepara para a vida, para a participação na sociedade, para o mundo do trabalho, para cidadania crítica, a lição que temos é que a melhor sociedade é aquela que está dividida. Ricos e pobres, letrados e analfabetos, homens e mulheres, pretos e brancos, heteros e homos, certos e errados, burgueses e proletários.

E só para registrar, nós moramos na mesma casa, estudamos na mesma escola, comemos na mesma mesa, sofremos os mesmos infortúnios reservados aos filhos dos trabalhadores e ainda hoje nos alimentamos da felicidade que aquele tempo nos deu.

E dessa história toda ainda tem o fato de que na nossa escola trabalhava a Dona Maria, e outras que eram responsáveis pela merenda, que comíamos, devorávamos, todos os dias, até porque o lanche foi só no primeiro dia. Para onde vão as Donas Marias, nossas vítimas e companheiras de escola? Para onde vai o pessoal da secretaria, os inspetores, o vendedor de doces? O que vai fazer o moço da papelaria em frente à escola?

Agora imagina só. A nossa escola, campeã dos torneios interescolares, ser fechada e de repente irmos estudar na escola que derrotamos nas últimas finais. Mais longe de casa, com sua própria história, com sua vida. E agora José? O que fazer, quando temos que interromper nossa construção de vida e passar a fazer parte da construção do outro. Será que o homem por trás da escrivaninha foi alguém que teve que passar por isso?

Está parecendo com o período quando os terrenos começaram a desaparecer pelas bandas lá de casa. Nossos campinhos deram lugar às casas. Mais gente pra jogar e menos campinho. Lembro ainda de a gente indo jogar no campinho da rua de cima e ter que esperar na reserva.

Com minha escola fechada, qual escola poderei, sem egoísmo, chamar de minha, de nossa, de todos, dos pequenos, médios, grandes. Qual? Como assim fechar escolas?

Silvio de Souza é professor de história.


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