Os assassinos são ex-policiais
Em 14 de março de 2018 foram assassinados, no Rio de Janeiro, a vereadora do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Marielle Franco, e seu motorista, Andersosn Gomes. Uma execução planejada, segundo as investigações, por dois ex-policiais militares, o sargento aposentado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiróz. Ronnie Lessa é morador do mesmo condomínio de luxo do atual presidente, Jair Bolsonaro. O filho mais novo de Bolsonaro já foi namorado da filha dele. Os assassinos tem uma longa ficha de crimes, mas circulavam livremente pelas ruas do Rio de Janeiro até o dia 13 de março de 2019. Na casa de um amigo de Ronnie Lessa foram encontradas peças que, juntas, dariam para montar 117 fuzis similares ao M-16, produzido nos EUA. O amigo, preso, logo entregou: “São do Ronnie”. Tudo indica que os assassinos de Marielle estavam envolvidos também com tráfico de armas. Muito estranhamente o delegado titular da Delegacia de Homicídios (DH), Giniton Lages, que considerava a “primeira etapa” da investigação concluída (encontrar os assassinos), foi afastado do caso e teve seu acesso às informações sobre o mesmo bloqueado. De acordo com o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, o delegado está “cansado”, “esgotado”, e como “prêmio” por desvendar o mistério do assassinato de Marielle e Anderson, o delegado ficará por quatro meses num intercâmbio com a polícia italiana e com o Bureau de Investigações Federais (FBI) dos EUA, que, segundo o governador, falou com eles esta semana. Muito conveniente, não é, governador? Convocatória para intercâmbio no exterior por quatro meses justamente depois que o delegado Giniton afirmou que houve um relacionamento entre o filho mais novo de Jair Bolsonaro e a filha do assassino e traficante de armas sargento da PM aposentado Ronnie Lessa. O delegado ainda afirmou que “Bom, isso [o namoro] tem. Isso, tem. Mas para nós isso não importou na motivação delitiva e isso será enfrentado no momento oportuno” (https://www.pragmatismopolitico.com.br/2019/03/delegado-caso-marielle-giniton-lages-bolsonaro.html). Interressante essa informação: “e isso será enfrentado no momento oportuno”. Ou seja, haveria outras etapas da investigação, onde a relação com a família Bolsonaro poderia ser motivo de investigação. Mas o governador já colocou um ponto final nisso. Ou seja, nada de investigar a família Bolsonaro.
Marielle se tornou semente de justiça, e viverá sempre em nossos corações e em nossas lutas
Andando pelas ruas de qualquer periferia do Brasil poderemos encontrar muitas Marielles, mulher, mãe, negra, LGBT, feminista, socialista. Marielle é igual a tantas lutadoras que em nossa história tiveram a capacidade de ser coerentes, de fazer aquilo que diz, aquilo que pensa, pois as boas ideias e os valores e princípios que defendemos só tem alguma validade efetiva quando os transformamos em ações concretas. Uma mulher e lutadora como Marielle é daquelas pessoas que atingiram um grau elevado de humanidade, um nível de consciência e de compromisso que está acima da média da própria militância dos movimentos populares ou partidos políticos progressistas. Marielle faz parte daqueles seres humanos que, em determinados períodos históricos e lugares, foram capazes de colocar a sua própria vida em risco para defender ideias, princípios, valores. Na história do nosso país figuram inúmeras mulheres que estão juntas com Marielle Franco nessa longa caminhada por uma sociedade mais justa e democrática. Vemos em Marielle a rebeldia de Patrícia Galvão (Pagu), que não se contentava com a “satisfação intelectual”, queria “a ação”, o espírito de sacrifício de Olga Benário, que atravessou fronteiras combatendo ditaduras e o fascismo (e Marielle faria o mesmo) e a coragem de Helenira Rezende (“Helenira Preta”), a guerrilheira do Araguaia que se tornou uma gigante diante de seus captores e assassinos. Que as ideias, os sonhos e a vida tão curta e tão intensa de Marielle aqueça nossos corações e nos empurre para frente, pois seguir adiante com as lutas por direitos humanos, democracia e transformações sociais estruturais serão, sem dúvida, uma bela homenagem ao legado dessa lutadora popular. Essas mulheres que perderam a liberdade ou a vida na luta por justiça jamais serão esquecidas, e merecem toda a nossa admiração, pois delas sempre nascem novas gerações de lideranças, inspiradas na ousadia de ser divergente. No momento em que vivemos precisamos aproveitar as homenagens a Marielle para continuar com uma reflexão autocrítica sobre a atuação cotidiana das organizações populares, progressistas e de esquerda no Brasil. É preciso ter coragem, ousadia, criatividade e encontrar novas táticas e novos meios para se organizar e seguir lutando por direitos e contra os retrocessos dos governos Temer e Bolsonaro. Que a imagem de Marielle esteja presente hoje e sempre, mas que possamos transformar seus sonhos em realidade nos bairros de periferia de todas as cidades do Brasil. Que possamos levar as ideias e a imagem de Marielle para todas as comunidades, favelas, bairros e morros desse país. Que Marielle seja cada vez mais conhecida pelas amplas massas populares, que esteja no cotidiano de Associações de Moradores, times de futebol, rodas, blocos e escolas de samba, em oficinas de percussão, aulas de capoeira, saraus de poesia, reuniões, encontros e tantas outras atividades políticas, sociais e culturais onde se encontrem membros da classe trabalhadora. Que os sindicatos prestem suas homenagens e mantenham viva a memória e a história de Marielle, que os professores e professoras, em escolas e universidades, estimulem @s estudantes a estudar e escrever sobre Marielle e as lutas que estava envolvida. No futuro vamos nos reunir para celebrar a vitória das ideias e sonhos de Marielle Franco, pois viveremos, com certeza, em uma nova sociedade.
Marcelo Buzetto é diretor do SINPRO ABC, professor do Centro Universitário Fundação Santo André e do Instituto Federal São Paulo (IFSP) – São Roque/SP.