Dias atrás, herdeiros de umas das primeiras professoras que atuaram no Colégio Piracicabano, uma das escolas envolvidas no processo de recuperação judicial, falaram sobre o descontentamento da família, diante do que vem acontecendo. As professoras, ao morrerem no século passado, deixaram boa parte de seu patrimônio para a escola para qual haviam dedicado sua vida, incluindo-se aí inclusive imóveis e valores em espécie.
A família nunca contestou a decisão, entendendo os motivos destas doações. Mas hoje, vendo no que se transformou a educação metodista, não se conforma, considerando que não foi para isso que suas parentes dedicaram a vida e, menos ainda, deixaram um patrimônio significativo.
É provavelmente uma história que se repete em outras localidades onde colégios metodistas foram criados envolvendo uma longa e intensa participação de sua comunidade – como, por exemplo, na doação por empresários de Santa Bárbara para a construção do campus da UNIMEP naquele município, que a Igreja coloca agora como um bem à venda para auferir recursos. Tais doações não foram feitas para ser transformadas em negócios lucrativos. Menos ainda para dar suporte a igrejas locais, mas sim por gente que acreditava na força da educação, na importância do que faziam como instrumento para melhorar o país, seu papel no desenvolvimento local e regional.
Escrevo isto, porque, de novo, a processo de recuperação judicial das escolas metodistas volta ao debate com versões diferentes analisando a decisão desta semana do Superior Tribunal de Justiça. Suspenso desde novembro passado por decisão de um dos ministros daquela corte, comunicado da Igreja comemorou esta última decisão como “vitória”, que lhe permitiria retomar novamente a recuperação judicial com as alternativas propostas pelo grupo – que, repita-se, desconsideram os valores integrais devidos a professores e funcionários, para além de outros credores não trabalhistas, inclusive bancos, com quem certamente os metodistas enfrentarão batalhas judiciais não muito simples.
Mas advogados ressaltam, a título de esclarecimento, que a decisão do STJ se constitui em uma definição precária, temporária e de efeitos específicos até que finalmente o mérito da ação que questiona a legitimidade das escolas metodistas para serem beneficiadas por uma recuperação judicial seja julgada. Como a maioria destes processos, serão anos e anos de contestações, recursos, idas e vindas, liminares e mais recursos, antes que algo se decida em definitivo, se execute, e sem que a maioria dos envolvidos, professores e funcionários, realmente entendam o que de fato está sendo decidido, contestado, de novo discutido nos tribunais.
Os sindicatos representantes dos trabalhadores farão tentativas múltiplas para garantia dos créditos de seus associados, via Justiça do Trabalho, bastante precarizada no governo Bolsonaro, e também sujeitas a contestações, recursos, perícias e impedimentos. Muitos dos que têm a receber talvez nem vejam estes valores ainda em vida. Faz parte da morosidade judicial do país.
São instrumentos legais os utilizados pela rede metodista de educação. Mas vão contra tudo o que a Igreja Metodista pregava até alguns atrás, envolvendo educação diferenciada expressa através de compromissos éticos, respeito a docentes e funcionários, cuidado com os alunos, conteúdos que buscavam formar estudantes críticos, qualificados através de uma pedagogia identificada com valores de justiça, de luta pelas minorias, de educação vista para além de simples mercadoria. As propostas contidas no pedido de recuperação judicial são altamente prejudiciais aos trabalhadores e a educação metodista age agora realmente como grupo econômico que quer apenas garantir o seu, preservar o patrimônio, blindar as igrejas, afastar a responsabilidade sua cúpula diretiva com relação às dívidas. Ao final, certamente nenhuma responsabilidade será cobrada em nível da Igreja e aqueles que realmente construíram as escolas e fizeram seu dia a dia terão ignorados muitos de seus direitos básicos, a prevalecer o comportamento adotado pela Igreja e fortalecido pelos executivos escolhidos para gerir as escolas.
A educação metodista, tal como foi originalmente pensada e fixada em várias escolas, desde o final do século XIX e até fins do século XX, não existe mais. Não há ilusões quanto a isso. Sobrou apenas o nome. Se vão sobreviver, aproveitando-se desta história, nem importa mais.
Agora, só resta mesmo acompanhar, provavelmente ao longo dos próximos anos, essa novela de quanto realmente será pago das dívidas documentadas, e o quanto professores, funcionários, estudantes acabarão sendo claramente prejudicados. Em tradução mais simples para os amadores: de quanto será o calote.
Bia Vicentini, jornalista