Por José Geraldo de Santana Oliveira*

O último presidente da República Velha, Washington Luís, deposto em 1930, como porta-voz do que havia de mais retrógrado na sociedade brasileira daquela quadra histórica, dizia que a causa social era uma questão de polícia.

Desde então, passaram-se oito décadas e quase meia; neste período histórico houve significativas mudanças nas relações sociais, inclusive nas que dizem respeito à multissecular e desigual luta entre capital e trabalho. Muito se conquistou; um exemplo destas conquistas expressa-se pelo instituto do aviso prévio.

Este instituto surgiu no Direito brasileiro em 1850, com o Código Comercial, que, no seu Art. 81, dispunha:

“Art 81. Não se achando acordado o prazo de ajuste celebrado entre o proponente e os seus prepostos, qualquer dos contraentes poderá dá-lo por acabado, avisando o outro da sua resolução com 1 (um) mês de antecipação”.

Em 1916, o Código Civil (CC) – o primeiro do Brasil – também o regulamentou, mas, igualmente, no campo dos contratos civis, estabelecendo, no seu Art. 1.221:

“Art. 1.221. Não havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do contrato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbítrio, mediante prévio aviso, pode rescindir o contrato.

Parágrafo único. Dar-se-á o aviso:

I – com antecedência de 8 (oito) dias, se o salário se houver fixado por tempo de 1 (um) mês, ou mais;

II – com antecipação de 4 (quatro) dias, se o salário se tiver ajustado por semana, ou quinzena;

III – de véspera, quando se tenha contratado por menos de 7 (sete) dias”.

O Decreto N. 16.107/1923 disciplinou-o, em seu Art. 22, pela primeira vez, no âmbito das relações de trabalho:

“Art. 22. Qualquer das partes, a seu arbitrio, mediante prévio aviso, póde rescindir o contracto.

Parágrafo único. Dar-se-á prévio aviso em todos os casos a que se referem os arts. 13, 17, 19 e 22:

I – Com antecedencia de oito dias, si o salario se houver fixado por tempo de um mez, ou mais;

II – Com antecipação de quatro dias, si o salario se tiver ajustado por semana ou quinzena;

III – De vespera, quando se tenha contractado por menos de sete dias (redação originária)”.

Em 1935, a Lei N. 62, em seu Art. 6º – dando azo à máxima de Washington Luís -, estabeleceu-o como dever do empregado, e, por conseguinte, como direito do empregador:

“Art. 6º – O empregado deverá dar aviso prévio ao empregador, com o prazo mínimo de trinta dias, quando desejar retirar-se do emprego. A falta do aviso prévio sujeita-o ao desconto de um mês de ordenado ou do duodécimo do total das comissões percebidas nos últimos doze meses de serviço”.

Somente em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – imposta pelo Decreto-Lei N. 5.452, de 1º de maio daquele ano -, é que se equilibraram os pratos da balança quanto ao aviso prévio, metaforicamente falando, pois que o seu Art. 487 regulamentou-o, de forma recíproca, isto é, para o empregador e para o empregado.

No entanto, este equilíbrio da balança foi apenas relativo, porquanto o parágrafo único do Art. 142 da CLT autorizava o empregador a descontar o aviso prévio não cumprido das férias.

Esta excrescência foi legalmente expurgada, em 1951, pela Lei N. 1539, de 26 de dezembro daquele longínquo ano.

Não obstante o expurgo legal já contar com mais de meio século – precisamente 63 anos -, a referida excrescência permanece intacta no campo doutrinário e no jurisprudencial, pois que o aviso não cumprido continua sendo descontado das férias, com a devida chancela do Poder Judiciário Trabalhista, como se a redação originária do citado parágrafo único do Art. 142 da CLT ou não tivesse sido revogada, ou fora restabelecida por repristinação (ressurreição indevida de norma expressamente declarada morta). Com o devido respeito aos que pensam de modo diverso, um acinte aos direitos fundamentais sociais, insculpidos no Art. 7º, da Constituição da República Federativa do Brasil (CR).

É bem de ver-se que, com a promulgação da CR de 1988, o aviso prévio tornou-se direito exclusivo do empregado, não sendo extensivo ao empregador, como se colhe do caput, do Art. 7º, combinado com o seu inciso XXI, assim exarados, de forma literal:

“São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXI- aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei”.

Frise-se que nem mesmo a Lei N. 12506/2011 – que é um verdadeiro presente de grego, metaforicamente falando -, aprovada às pressas para se evitar que o Supremo Tribunal Federal (STF) regulamentasse este instituto com maior alcance social, como acenara ao se iniciar a discussão sobre o Mandado de Injunção (MI) N. 621; àquela oportunidade, o ministro Marco Aurélio propôs que se garantissem dez dias por ano de trabalho, a título de proporcionalidade) – estende-o ao empregador, como se constata pela simples leitura de seu Art. 1º.

Em que pesem a literalidade e a clareza do caput e do inciso XXI do Art. 7º da CR, e os limites estabelecidos pelo 1º da Lei N. 12506/2011, a egrégia Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, é bom que se registre, mantém incólume o § 2º do Art. 487 da CLT, cuja redação é de 1943, ab rogada pela CR de 1988; e, o que é pior, igualmente, a repristinação do parágrafo único do Art. 142, alterado, como já se disse, pela Lei N. 1539/51, posto que não só estende o direito a aviso prévio ao empregador, como lhe permite descontá-lo, quando não cumprido, das férias e do 13º salário, se necessário for.

Como se não bastasse, estas subversões jurídicas, sem razão alguma, descumprem, também, o próprio Art. 487, § 1º, parte final, da CLT, quanto à integração do aviso prévio ao tempo de serviço, mesmo que seja indenizado.

Ora, mesmo que se considere válida a afronta literal ao texto constitucional exarado no Art. 7º, caput, e inciso XXI, e a repristinação do parágrafo único do Art. 142, da CLT, o que, com o devido respeito, é teratológico, ainda assim, a jurisprudência da egrégia Justiça do Trabalho faz pender a balança, mais uma vez, em proveito do empregador, haja vista a cobrança do aviso prévio, pelo empregador, no valor correspondente ao de uma remuneração, por óbvio, implica a sua projeção no tempo, para todos os efeitos legais.

Assim sendo, se ao empregador é dado este direito, pela natureza sinalagmática do contrato de trabalho, tem-se de dar ao empregado o direito às férias e ao 13º salário proporcionais, relativos à comentada projeção do aviso.

Claro está, portanto, que se admite, mesmo que ao arrepio da CR e da Lei N. 12506/2011, que o empregador promova o desconto do aviso prévio não cumprido, deve, obrigatoriamente, deduzir-se do valor que for descontado do empregado, a este título, o correspondente a um doze avos de férias e de 13º salário, sob pena de se afrontar, igualmente, o princípio constitucional do “Non bis in idem”, segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato.

Outra flagrante injustiça, já anotada, paradoxalmente perpetrada pela Justiça do Trabalho, é a da repristinação da redação originária do parágrafo único do Art. 142 da CLT, ao permitir que o aviso prévio seja descontado das férias e também do 13º salário, quando o saldo salarial não for suficiente para se quitar o valor que se permite ao empregador descontar, a título de aviso prévio não cumprido.

Aqui, a toda evidência, além já repisada repristinação, ao se permitir o desconto do aviso prévio não cumprido do 13º salário, tem-se a criação jurisprudencial em rota de colisão com os princípios da norma mais favorável e da condição mais benéfica. Ao contrário, no caso concreto, opta-se pela condição mais desfavorável ao empregado e favorável ao empregador.

Ante estas razões, sujeitas a possíveis pertinentes contestações, urge que a Doutrina e a egrégia Justiça do Trabalho revejam o seu posicionamento sobre o aviso prévio, que, insista-se, constitucionalmente é direito exclusivo do empregado.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee – OAB-GO 14090


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