Escola Sem Partido ameaça ensino de ciência nas escolas

O movimento Escola Sem Partido pode se tornar um perigoso instrumento para ameaçar o ensino de ciência nas escolas e deve ser repelido. O alerta é da Sociedade Brasileira de Física (SBF), que lançou um manifesto em favor de um ensino pleno, sem restrições ao conhecimento ou à liberdade de expressão.

Para a organização de físicos, a suposta tentativa de eliminar posicionamentos ideológicos nas escolas constitui uma ideologia que lança “um forte olhar de desconfiança sobre a figura do professor, propondo censura por parte dos estudantes e pais com o objetivo de restringir conteúdo e metodologia em sala de aula”.

De acordo com a manifestação da SBF, o movimento pode levar a situações inaceitáveis, como restrição ao ensino da teoria da evolução das espécies, à perspectiva de gênero e temas afins ao multiculturalismo. “O que nos garante que uma teoria tal como a do Big Bang não possa ser vetada futuramente em escolas, por contradizer valores religiosos, que obviamente devem ser respeitados, mas que não podem se impor sobre outras formas de ver o mundo?”, subscrevem os físicos.

“Nos posicionamos totalmente contra iniciativas que possam vir a reprimir a discussão e liberdade de expressão, valores fundamentais numa democracia e imperativos para o desenvolvimento de qualquer nação.”

Marcos A. Pimenta - Departamento de Física da UFMG

Veja a íntegra do manifesto aprovado pela SBF.  

Manifesto em Favor de um Ensino Pleno sem Restrições de Conhecimento ou Liberdade de Expressão

Uma sociedade justa e plenamente desenvolvida é aquela que preza e defende a liberdade de pensamento e de investigação crítica. Para tal, o conhecimento acumulado pela humanidade ao longo dos séculos, em todas as áreas – ciência, cultura, filosofia, sociedade – e sob as suas mais variadas vertentes, deve ser apresentado e discutido em todos os distintos níveis de formação de nossos estudantes. Da mesma forma, a sociedade para evoluir precisa também permitir que as fronteiras do conhecimento avancem, com novas indagações podendo ser livremente formuladas e investigadas, e os resultados de tais avanços sendo finalmente disponibilizados a todo cidadão, seja nas instituições de ensino, seja nas instituições de pesquisa, seja no âmbito da sociedade civil.

Na defesa da pluralidade e da liberdade de expressão, a Sociedade Brasileira de Física vê na proposta para a educação básica do movimento Escola Sem Partido um retrocesso a esses ideais de pleno progresso do pensamento humano. Uma ideologia, qualquer que seja sua origem, que lance um forte olhar de desconfiança sobre a figura do professor, propondo censura por parte dos estudantes e pais com o objetivo de restringir conteúdo e metodologia em sala de aula, colide frontalmente com a possibilidade de franco desenvolvimento intelectual de nossos jovens.

Entre diferentes propostas, o programa Escola sem Partido deseja aprovar um projeto de lei que torna obrigatório a afixação em todas as salas de aula do ensino fundamental e médio um cartaz com seis “Deveres do Professor”. Talvez oportuno lembrar que durante o século XX certos regimes totalitários adotaram esta mesma prática de propaganda coercitiva, principalmente em ambientes frequentados por jovens.

Embora alguns destes itens apresentem ideias corretas, de que o professor não pode, em sala de aula, tentar impor sua visão pessoal dos fatos, outros claramente têm carater censor, tentando vetar o livre debate de ideias. É fundamental que o professor possa apresentar todos os lados e incentivar diferentes pensamentos, refletindo a diversidade da complexa sociedade à nossa volta. O Escola sem Partido, pelo contrário, propõe que a pedagogia da confiança e do diálogo crítico sejam substituídas pelo estabelecimento de restrições de quais ideias devam ser discutidas. Esta visão de ensino pode levar a uma parcialidade extremamente negativa para a sociedade como um todo.

Infelizmente, projetos de lei restritivos e pouco democráticos vem sendo propostos, alguns já aprovados, nas câmaras municipais, estaduais e federal. Por exemplo, o projeto de lei federal (acesse aqui) propõe a criação um canal de denúncia direto entre os alunos e as Secretarias de Educação, que receberia denúncias anônimas e as passaria para o Ministério Público. Inúmeros casos de denúncia e processo contra professores da rede básica vem acontecendo pelo país. É fundamental que alunos e pais tenham o direito e canais apropriados para denunciar eventuais práticas equivocadas de educadores em sala de aula. Por outro lado, é fundamental que o professor tenha total condição de se defender e de explicar perante a comunidade sobre sua postura enquanto educador. A denúncia anônima cria um veículo de mão única, inclusive impossibilitando que eventuais denúncias falsas ou descabidas sejam igualmente punidas, única forma de evitar abusos por parte de delatores.

É nesse contexto que também vem surgindo denúncias no âmbito de universidades. A recente denúncia do MP de Minas Gerais contra o grupo de estudos da Faculdade de Educação da UFMG é um destes exemplos. A negativa de abertura de processo (leia aqui) por procurador da República, com base na autonomia universitária prevista na Constituição de 1988, não é garantia que outros processos indevidos possam ser abertos e eventualmente levados à frente.

Dada a preocupante situação da sociedade brasileira atual, de intolerância e falta de diálogo, uma proposta defendendo que a formação de seus jovens seja ditada por um pensamento único e restritivo, além disso criando um ambiente de “denúncias”, pode tanto agravar nossas profundas diferenças sociais bem como gerar falhas enormes na formação básica de nossas futuras gerações.

Numa situação extrema, sofremos o risco de ver a teoria da evolução, a perspectiva de gênero, ou temas afins com o multiculturalismo serem vetados nas escolas. O que nos garante que uma teoria tal como a do Big Bang não possa ser vetada futuramente em escolas, por contradizer valores religiosos, que obviamente devem ser respeitados, mas que não podem se impor sobre outras formas de ver o mundo? Experiências anteriores na história da humanidade apontam que um debate dessa natureza deve ser acompanhado por todos os que se interessam pelo desenvolvimento de uma sociedade livre para exercer o pensamento, a expressão e a troca de ideias.

Assim, nos posicionamos totalmente contra iniciativas que possam vir a reprimir a discussão e liberdade de expressão, valores fundamentais numa democracia e imperativos para o desenvolvimento de qualquer nação.                       

 

Como surgiu o movimento?

O movimento Escola sem Partido nasceu em 2003, a partir de uma inciativa do procurador do estado de São Paulo, Miguel Nagib. Durante anos, suas propostas não encontraram eco até que, em 2014, um encontro com a família Bolsonaro mudou essa realidade.

Nesse ano, o deputado estadual do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro (PSC), pediu para que Miguel escrevesse um anteprojeto de lei. O texto foi, então, apresentado pelo filho do deputado federal Jair Bolsonaro na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro. O líder do movimento fez uma versão municipal que foi apresentada pelo outro irmão da família, Carlos Bolsonaro, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.

Nagib disponibilizou em seu site os dois anteprojetos e desde então deputados e vereadores, em sua grande maioria ligados a bancadas religiosas, começaram a propor leis em suas respectivas casas legislativas. O projeto já foi aprovado em três cidades, no estado de Alagoas e tramita em outros cinco estados e oito capitais, incluindo capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.

Discussões pelo País

Desde 2014, 62 projetos de lei (PLs) relacionados ao movimento Escola sem Partido tramitaram ou tramitam no Congresso Nacional e nas casas legislativas de pelo menos 12 estados e 23 cidades do Brasil. Esses PLs tratam de temas como a proibição da discussão da questão de gênero nas escolas, materiais didáticos e em textos legais, como os planos de educação, e o combate à “doutrinação político-partidária” dos professores dentro da sala de aula.

No Congresso Nacional, 10 PLs tramitam na Câmara dos Deputados e um corre no Senado, propostos entre 2014 e 2016. Os estados que possuem PLs ligados ao movimento são Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, além do Distrito Federal. Já a nível municipal, os PLs se encontram na Câmara de Vereadores de Manaus (AM); Vitória da Conquista (BA); Cachoeiro do Itapemirim (ES); Campo Grande (MS); Belo Horizonte (MG); Varginha (MG); Benevides (PA); João Pessoa (PB); Picuí (PB); Teresina (PI); Curitiba, Foz do Iguaçu, Londrina, Santa Cruz do Monte Castelo e Toledo (PR); Recife (PE); Rio de Janeiro e Nova Iguaçu (RJ), Uruguaiana (RS), Joinville (SC), São Paulo e Limeira (SP) e Palmas (TO).

Até o final de 2016, a maioria dos projetos de lei encontrava-se em tramitação, tendo alguns poucos sido arquivados. Nas cidades de Santa Cruz do Monte Castelo (PR) (Lei nº 009/2014), Picuí (PB) e Campo Grande (MS) (Lei nº 5.502/15) os PLs de proponentes do Escola sem Partido foram aprovados e seguem em vigor, de acordo com informações das câmaras legislativas. No estado de Alagoas o PL também foi aprovado (Lei nº 7.800/2016), mas em março de 2017, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, concedeu liminar que determinava a suspensão integral da lei, por considera-la inconstitucional.

As informações e o levantamento foram apurados e realizado pela professora Fernanda Pereira de Moura, para a sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), quando estudou o Escola sem Partido (ESP) e o impacto de sua interferência na política pública com relação ao Ensino de História.

 

Movimento limita questionamento dos alunos e confina professores

De acordo com Fernando Penna, professor-adjunto da Faculdade da Educação da Universidade Federal Fluminense, o movimento “Escola Sem Partido”, trata-se de uma visão cruelmente deturpada da educação institucional. “Essa concepção completamente equivocada entra em contradição com toda a produção acadêmica do campo de pesquisa educacional, no qual se reafirma, de diferentes maneiras, que o aluno não é uma folha em branco na qual o professor pode imprimir o que bem lhe convém; o conhecimento escolar é produzido no diálogo entre professores e alunos e a sala de aula é o espaço pelo qual perpassam todas as vozes da nossa sociedade, trazidas por um conjunto extremamente heterogêneo de alunos, professores e funcionários”, afirma Penna.

Ele acrescenta que “o discurso do Movimento, ao difundir essa visão absurda da figura do professor, não poderia gerar nada além de ódio a toda essa categoria profissional. Esse movimento chega a afirmar que professores não são educadores, removendo o que há de mais caro à profissão docente”.

Comissão sobre Escola Sem Partido quer prorrogar discussão

A Comissão Especial que analisa o projeto de lei da Escola sem Partido (PL 7180/14) pediu a prorrogação de seus trabalhos, durante audiência pública realizada dia 09/08.

A deputada professora Marcivania do Socorro da Rocha (PCdoB-AP), que é contra o projeto, argumentou que existe “uma reação a querer barrar a discussão na sala de aula sobre temas que existem na sociedade que inevitavelmente os alunos irão questionar o professor. O projeto vai criar uma camisa de força, sim, para o professor, que vai ficar com receio: Será que eu posso falar isso? Será que posso falar aquilo? Porque eu vou ser denunciada, porque vou ter que responder. Então, o projeto limita muito a atuação do professor, a liberdade do professor, e eu sou contra. Se queremos mudanças pontuais na prática pedagógica, vamos construir isso com diálogo, e não impondo um projeto como esse”.

Sindicatos de Professores de todo o País são contrários ao movimento “Escola Sem Partido”.

Confira os vídeos produzidos pela Contee  e  Sinpro Rio mostrando os aspectos nocivos à educação.

http://contee.org.br/contee/index.php/2017/08/comissao-da-escola-sem-partido-quer-prorrogar-discussao/

http://contee.org.br/contee/index.php/2017/08/sinpro-rio-contra-a-escola-sem-partido-por-uma-escola-democratica-lendas-brasileiras/

Fontes/Sites: De olho nos Planos, Câmara dos Deputados, Centro de referências em educação integral e Contee.


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