Entrevista com a professora demitida em Santo André, vítima da perseguição à professores promovida pelos simpatizantes do novo governo Bolsonaro.

Nome: JL

Formação: História pela Unicamp e mestrado em Teoria e História Literária pela Universidade de Copenhague.

Professora de História 2º e 3º anos do Ensino Médio na Escola Liceu Jardim – Santo André.

Trabalhava na Instituição há três anos.

Sinpro ABC: Como era sua relação com os alunos e com a direção da escola?

Juliana Lopes: Tínhamos uma relação excelente e respeitosa de ambas as partes, tanto com os alunos, quanto com a direção da Escola.

SABC: Quais os trabalhos eram desenvolvidos em sala de aula?

JL: Os trabalhos que eu ministrava junto a eles, eram de historia e atualidades e também dava aula de cinema para eles e análise de filmes. Esse ano nós desenvolvemos um trabalho de análise dos vários gêneros cinematográficos. Era bem legal.

SABC: Como foi o resultado do último trabalho sobre as eleições?

JL: Na verdade, esse trabalho foi um sarau realizado na escola com um grupo de outros professores que falava sobre as eleições e a importância de exercer a cidadania e o direito do voto.

SABC: Como foi o episódio da demissão?

JL: O fato da demissão foi o que a escola me passou; houve um grupo de pais que se movimentou no sentido de tentar coagir alguns professores que supostamente , segundo eles, estaria doutrinando seus filhos, uma vez que nessa época de eleições os ânimos estavam acirrados, inclusive em casa, e muitos se colocando num posicionamento mais conservador por parte dos pais.

SABC: A partir dessa represália, como atuar em sala de aula?

JL: A atuação do professor fica bem difícil e restrita. Mas a minha consciência é muito tranquila, eu acredito de verdade no contraditório; na pluralidade de ideias; eu acredito na divergência, no debate. Eu tenho uma visão aristotélica de política de que o homem é um animal político, portanto tudo o que diz respeito à Pólis, diz respeito a mim e não existe outra coisa a ser feito senão política. Isso me dá uma capacidade tremenda, eu sei da capacidade dos meus alunos. Aliás, eu defendo quando dizem que são doutrinados, porque são inteligentes para desenvolverem por si próprios uma capacidade de argumentação e de autonomia de pensamento.

SABC: O que muda no universo dos professores e seu relacionamento com os alunos, a partir dessa nova realidade educacional que o País deve enfrentar com o novo governo?

JL: O novo governo deixou bem claro que o projeto dele para a educação é autoritário, excludente e isso é extremamente lamentável porque é chancelado pela sociedade civil. A gente sabe da proposta da Escola Sem Partido que é uma completa insanidade, é um delírio de um grupo de pessoas que nunca esteve em sala de aula e querem esse patrulhamento. Isso impede o contraditório. É natural que na escola, o aluno encontre algo diferente do que ele vê em casa.

SABC: Como enfrentar essa situação?

JL: Acho que nos resta resistir da forma que for possível. A educação tende a contribuir para lutar contra a repressão. A resistência é feita de muitas formas. Alguns acreditam apenas na guerrilha como é o caso desses pais. Acreditam que estamos doutrinando seus filhos para serem guerrilheiros, mas não é isso. Existir enquanto pessoa autônoma com sua consciência de ser quem você é, depende de muita resistência. Então o simples fato de você questionar e você expor o contraditório tirando a pessoa da zona de conforto; isso pra mim é resistência. Isso é uma forma de enfrentar a situação pela qual está passando e vai passar o País. É nisso que eu acredito, como educadora, como professora, como uma pessoa que defende os direitos humanos. O meu lado é o lado dos indígenas, dos negros, dos LGBTs, das mulheres, enfim dos grupos historicamente reprimidos.

SABC: A senhora gostaria de ser readmitida na escola?

JL: Hum... acredito que não há mais clima.

Entrevista realizada pelo Sinpro ABC com a professora JL, no dia 01/11/2018.


Mais Lidas