"Pessoal, hoje vamos trabalhar com o videogame", diz o Professor Daniel Veras a uma turma de 7.ª série da Escola Estadual Oscar Thompson, em São Paulo. É dia de Educação física e o aviso quebra a sonolência da primeira aula da manhã. O tema é atletismo e, em poucos minutos, os Alunos disparam perguntas sobre o peso do martelo, a distância viajada pelo dardo e recordes.
Tradicionalmente vistos como "rivais" da Escola, jogos digitais vêm se popularizando como uma ferramenta para Educadores e aliados das aulas de Educação física ao ajudar Alunos a conhecer novos esportes e, de quebra, driblar a falta de recursos para tratar de alguns conteúdos previstos no currículo Escolar. Embora com ressalvas, os benefícios são atestados por cientistas. O trabalho encontra respaldo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que garante aos Professores liberdade didática.
Foi pesquisando métodos para aplicar conteúdos como saltos e arremessos do atletismo que Veras decidiu inovar - sem deixar as atividades em quadra e o conteúdo da apostila em segundo plano. "Se na Escola a gente não tem como vivenciar um salto em altura, arranjamos um jeito", explica. "Os Alunos não tinham noção de como funcionavam algumas modalidades e se empolgaram."
A ideia, esclarece Veras, era "suprir a necessidade de materiais e espaço" para aplicar o conteúdo, previsto na apostila, mas teve mais efeitos positivos. "O comportamento melhorou e percebi os Alunos mais confiantes."
No Colégio Maxwell, Escola particular da zona norte paulistana, o Professor Marcos Neves também tira proveito da familiaridade dos Alunos com videogames para trabalhar modalidades que vão do futebol de rua à capoeira. Os benefícios, segundo ele, vão muito além do aprendizado. "Alunos que antes se recusavam a participar das dinâmicas de exercícios físicos, mas usaram os jogos, mostraram-se mais sociáveis", observa.
Na Escola municipal Raimundo Correia, em São Miguel, na zona leste de São Paulo, o tae-kwon-do foi a porta de entrada dos videogames nas aulas do Professor Jorge Júnior. Praticante da arte marcial, ele deu início a um programa cujo conteúdo eram lutas. "Até Alunos que não participavam das atividades mostraram maior interesse", nota. "É algo da cultura juvenil, e se a Escola exclui essas tecnologias, fica mais distante dos Alunos."
Linguagem do Aluno. A ideia de introduzir games nas aulas se baseia em pesquisas que estudam a cultura como elemento que influencia o comportamento. Como os Professores têm liberdade pedagógica, a ideia é trazer elementos da vida dos jovens à Escola, explica Mario Nunes, um dos idealizadores do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da USP. Ele lembra que a Educação física não trata só do movimento, mas também de colocar jovens e crianças em contato com a teoria e os estudos dos exercícios e esportes.
O presidente do Conselho Federal de Educação Física, Jorge Steinhilber, concorda. "A Educação física é confundida com condicionamento e prática de exercícios físicos", diz, explicando que a disciplina não é uma iniciação esportiva, e sim uma "oportunidade para o Aluno vivenciar e compreender modalidades. A ferramenta usada vai de acordo com as possibilidades da Escola, da comunidade e do Professor".
Nunes, porém, alerta: "Os jogos não devem servir apenas como atrativo, e sim conservar o objetivo pedagógico, de debater e ensinar. Inserir um elemento desses no currículo não traz mudança se tiver apenas o objetivo de divertir os Alunos".
'Chocolate com brócolis.' Os Alunos não podem pensar na Escola como um local apenas de diversão, concorda a Professora Angela McFarlane, da Universidade de Bristol (Grã-Bretanha), autora do livro Use of Computer and Videogames in the Classroom ("O uso de computadores e videogames na sala de aula", em tradução livre).
Apesar de ser favorável à introdução de ferramentas tecnológicas na Educação, ela lembra que o aprendizado deve ser satisfatório - e não apenas divertido. "Aprender demanda tempo, concentração. É um processo que pode ser difícil, mas é como uma recompensa. O ideal é que a criança se sinta satisfeita com o que aprendeu e reconheça isso como algo relevante", analisa.
Como jogar é divertido - e aprender, nem sempre -, ela compara esse aspecto à "psicologia do brócolis com chocolate": se cobrirmos brócolis com chocolate a criança vai comer? Não, porque é ruim. Da mesma forma, os games atraem atenção e concentração das crianças - mas, se mal utilizados, podem não provocar um aprendizado satisfatório, sem resultados efetivos.
Apesar das ressalvas, Angela concorda que jogos e computadores são aliados da Educação. No quesito interatividade, ela crê que "não há nada como um videogame" e diz que há evidências de que alguns jogos desenvolvem determinadas habilidades e a capacidade das crianças de resolver problemas.
Mas a Professora acredita que o aprendizado é maior quando os Alunos são criadores de conteúdos digitais, e não apenas consumidores. "O ideal é envolver os Alunos no processo de criação, pois isso os ajuda a explicar sua própria compreensão do mundo e usar isso como meio para compartilhar suas ideias."
'É como se fosse uma aula prática'
"Da primeira vez que o Professor propôs usar o videogame, achei que fôssemos só brincar. Mas quando jogamos mesmo, deu pra sentir o impacto que ele tentou provocar. Aprendemos como fazer os movimentos para lançamentos e saltos do atletismo, quais eram as regras, o que pode e o que não pode fazer. É como se fosse uma aula prática, com a diferença que antes a gente observa e ganha uma base para depois fazer na quadra.
A turma acha divertido e gosta porque não é a mesma aula de sempre, com o Professor falando o tempo todo. A gente aprende com os livros e com as explicações, mas na Educação física temos de ter essa parte prática também.
Na Escola, conforme vamos jogando, o Professor explica o que está acontecendo na tela. Quando a gente joga em casa, acaba não prestando atenção nessas coisas.
Seria legal se Professores de outras matérias começassem a dar aulas assim. Nem todos participam, mas acho que ajuda bastante, porque estamos prestando atenção e isso ajuda a memorizar."
'Não há oposição entre games e aprendizado'
Educação e entretenimento podem sim caminhar juntos, segundo o pesquisador dinamarquês Simon Egenfeldt-Nielsen, da Universidade de Tecnologia da Informação de Copenhague e autor do livro Educational Potential of Video Games ("Potencial educacional dos videogames", em tradução livre). Ele defende o uso dos videogames como uma ferramenta para melhorar o aprendizado, mas alerta: "Deve-se ter o cuidado de mostrar que não se trata apenas de diversão", diz Egenfeldt-Nielsen.
Como os videogames podem ajudar na Educação?
Os videogames combinam propriedades como áudio, vídeo e texto em um só lugar e apresentam esse conteúdo de um jeito diferente e interativo, rompendo limitações das formas tradicionais de mídia. Com isso, atraem pessoas que poderiam ter dificuldades ou desinteresse no aprendizado. O papel da tecnologia é fazer as coisas de uma forma mais rápida, inteligente e melhor.
E por que usá-los como uma ferramenta na sala de aula?
Faz sentido trabalhar em cima da familiaridade das crianças com os games, que são parte da cultura juvenil e reconhecidos como uma mídia importante para entrar em contato com os jovens. Mas é preciso cuidado para fazer com que não pensem que vai ser só diversão.
Há outras ressalvas?
Não se pode dar muito espaço. Os games facilitam o processo, mas os Professores não podem se deixar seduzir pelo que parece uma oportunidade óbvia, mas não é. Um jogo de ação baseado em fatos históricos, como a 2.ª Guerra, por exemplo, pode não dar tanta atenção a esse aspecto e priorizar outro ponto do enredo.
Educação e entretenimento podem andar lado a lado?
É importante entender que não há uma oposição natural entre games e o aprendizado. Um jogo é, em sua natureza, uma atividade de resolução de problemas, que faz o jogador evoluir conforme avança, motivando um maior engajamento da pessoa com suas ações e consequências. É perfeitamente possível fazer com que esse retorno constante seja educativo e se dê de forma divertida.
E quais são os principais obstáculos para usar os games?
Os aparelhos são muito caros e não há uma compreensão geral sobre como utilizá-los da melhor maneira na sala de aula. São barreiras que devem cair conforme computadores e jogos ganhem mais espaço nas Escolas. Mas isso deve levar mais tempo que esperamos.
Professores adotam jogos virtuais para ajudar alunos a conhecer novos esportes e, de quebra, driblar falta de recursos da escola

"Pessoal, hoje vamos trabalhar com o videogame", diz o Professor Daniel Veras a uma turma de 7.ª série da Escola Estadual Oscar Thompson, em São Paulo. É dia de Educação física e o aviso quebra a sonolência da primeira aula da manhã. O tema é atletismo e, em poucos minutos, os Alunos disparam perguntas sobre o peso do martelo, a distância viajada pelo dardo e recordes.

Tradicionalmente vistos como "rivais" da Escola, jogos digitais vêm se popularizando como uma ferramenta para Educadores e aliados das aulas de Educação física ao ajudar Alunos a conhecer novos esportes e, de quebra, driblar a falta de recursos para tratar de alguns conteúdos previstos no currículo Escolar. Embora com ressalvas, os benefícios são atestados por cientistas. O trabalho encontra respaldo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que garante aos Professores liberdade didática.

Foi pesquisando métodos para aplicar conteúdos como saltos e arremessos do atletismo que Veras decidiu inovar - sem deixar as atividades em quadra e o conteúdo da apostila em segundo plano. "Se na Escola a gente não tem como vivenciar um salto em altura, arranjamos um jeito", explica. "Os Alunos não tinham noção de como funcionavam algumas modalidades e se empolgaram."

A ideia, esclarece Veras, era "suprir a necessidade de materiais e espaço" para aplicar o conteúdo, previsto na apostila, mas teve mais efeitos positivos. "O comportamento melhorou e percebi os Alunos mais confiantes."

No Colégio Maxwell, Escola particular da zona norte paulistana, o Professor Marcos Neves também tira proveito da familiaridade dos Alunos com videogames para trabalhar modalidades que vão do futebol de rua à capoeira. Os benefícios, segundo ele, vão muito além do aprendizado. "Alunos que antes se recusavam a participar das dinâmicas de exercícios físicos, mas usaram os jogos, mostraram-se mais sociáveis", observa.

Na Escola municipal Raimundo Correia, em São Miguel, na zona leste de São Paulo, o tae-kwon-do foi a porta de entrada dos videogames nas aulas do Professor Jorge Júnior. Praticante da arte marcial, ele deu início a um programa cujo conteúdo eram lutas. "Até Alunos que não participavam das atividades mostraram maior interesse", nota. "É algo da cultura juvenil, e se a Escola exclui essas tecnologias, fica mais distante dos Alunos."

Linguagem do Aluno. A ideia de introduzir games nas aulas se baseia em pesquisas que estudam a cultura como elemento que influencia o comportamento. Como os Professores têm liberdade pedagógica, a ideia é trazer elementos da vida dos jovens à Escola, explica Mario Nunes, um dos idealizadores do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da USP. Ele lembra que a Educação física não trata só do movimento, mas também de colocar jovens e crianças em contato com a teoria e os estudos dos exercícios e esportes.

O presidente do Conselho Federal de Educação Física, Jorge Steinhilber, concorda. "A Educação física é confundida com condicionamento e prática de exercícios físicos", diz, explicando que a disciplina não é uma iniciação esportiva, e sim uma "oportunidade para o Aluno vivenciar e compreender modalidades. A ferramenta usada vai de acordo com as possibilidades da Escola, da comunidade e do Professor".

Nunes, porém, alerta: "Os jogos não devem servir apenas como atrativo, e sim conservar o objetivo pedagógico, de debater e ensinar. Inserir um elemento desses no currículo não traz mudança se tiver apenas o objetivo de divertir os Alunos".

'Chocolate com brócolis.' Os Alunos não podem pensar na Escola como um local apenas de diversão, concorda a Professora Angela McFarlane, da Universidade de Bristol (Grã-Bretanha), autora do livro Use of Computer and Videogames in the Classroom ("O uso de computadores e videogames na sala de aula", em tradução livre).

Apesar de ser favorável à introdução de ferramentas tecnológicas na Educação, ela lembra que o aprendizado deve ser satisfatório - e não apenas divertido. "Aprender demanda tempo, concentração. É um processo que pode ser difícil, mas é como uma recompensa. O ideal é que a criança se sinta satisfeita com o que aprendeu e reconheça isso como algo relevante", analisa.

Como jogar é divertido - e aprender, nem sempre -, ela compara esse aspecto à "psicologia do brócolis com chocolate": se cobrirmos brócolis com chocolate a criança vai comer? Não, porque é ruim. Da mesma forma, os games atraem atenção e concentração das crianças - mas, se mal utilizados, podem não provocar um aprendizado satisfatório, sem resultados efetivos.

Apesar das ressalvas, Angela concorda que jogos e computadores são aliados da Educação. No quesito interatividade, ela crê que "não há nada como um videogame" e diz que há evidências de que alguns jogos desenvolvem determinadas habilidades e a capacidade das crianças de resolver problemas.

Mas a Professora acredita que o aprendizado é maior quando os Alunos são criadores de conteúdos digitais, e não apenas consumidores. "O ideal é envolver os Alunos no processo de criação, pois isso os ajuda a explicar sua própria compreensão do mundo e usar isso como meio para compartilhar suas ideias."

'É como se fosse uma aula prática'
"Da primeira vez que o Professor propôs usar o videogame, achei que fôssemos só brincar. Mas quando jogamos mesmo, deu pra sentir o impacto que ele tentou provocar. Aprendemos como fazer os movimentos para lançamentos e saltos do atletismo, quais eram as regras, o que pode e o que não pode fazer. É como se fosse uma aula prática, com a diferença que antes a gente observa e ganha uma base para depois fazer na quadra.

A turma acha divertido e gosta porque não é a mesma aula de sempre, com o Professor falando o tempo todo. A gente aprende com os livros e com as explicações, mas na Educação física temos de ter essa parte prática também.

Na Escola, conforme vamos jogando, o Professor explica o que está acontecendo na tela. Quando a gente joga em casa, acaba não prestando atenção nessas coisas.

Seria legal se Professores de outras matérias começassem a dar aulas assim. Nem todos participam, mas acho que ajuda bastante, porque estamos prestando atenção e isso ajuda a memorizar."

'Não há oposição entre games e aprendizado'
Educação e entretenimento podem sim caminhar juntos, segundo o pesquisador dinamarquês Simon Egenfeldt-Nielsen, da Universidade de Tecnologia da Informação de Copenhague e autor do livro Educational Potential of Video Games ("Potencial educacional dos videogames", em tradução livre). Ele defende o uso dos videogames como uma ferramenta para melhorar o aprendizado, mas alerta: "Deve-se ter o cuidado de mostrar que não se trata apenas de diversão", diz Egenfeldt-Nielsen.

Como os videogames podem ajudar na Educação?
Os videogames combinam propriedades como áudio, vídeo e texto em um só lugar e apresentam esse conteúdo de um jeito diferente e interativo, rompendo limitações das formas tradicionais de mídia. Com isso, atraem pessoas que poderiam ter dificuldades ou desinteresse no aprendizado. O papel da tecnologia é fazer as coisas de uma forma mais rápida, inteligente e melhor.

E por que usá-los como uma ferramenta na sala de aula?
Faz sentido trabalhar em cima da familiaridade das crianças com os games, que são parte da cultura juvenil e reconhecidos como uma mídia importante para entrar em contato com os jovens. Mas é preciso cuidado para fazer com que não pensem que vai ser só diversão.

Há outras ressalvas?
Não se pode dar muito espaço. Os games facilitam o processo, mas os Professores não podem se deixar seduzir pelo que parece uma oportunidade óbvia, mas não é. Um jogo de ação baseado em fatos históricos, como a 2.ª Guerra, por exemplo, pode não dar tanta atenção a esse aspecto e priorizar outro ponto do enredo.

Educação e entretenimento podem andar lado a lado?
É importante entender que não há uma oposição natural entre games e o aprendizado. Um jogo é, em sua natureza, uma atividade de resolução de problemas, que faz o jogador evoluir conforme avança, motivando um maior engajamento da pessoa com suas ações e consequências. É perfeitamente possível fazer com que esse retorno constante seja educativo e se dê de forma divertida.

E quais são os principais obstáculos para usar os games?
Os aparelhos são muito caros e não há uma compreensão geral sobre como utilizá-los da melhor maneira na sala de aula. São barreiras que devem cair conforme computadores e jogos ganhem mais espaço nas Escolas. Mas isso deve levar mais tempo que esperamos. 

Fonte: Estadão

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