Juarez Tadeu de Paula Xavier foi atacado no estacionamento de um supermercado em Bauru, no interior de São Paulo. 'Imaginávamos que tínhamos avançado, mas parece que não', disse o professor da Unesp
SÃO PAULO - "É muito cansativo atravessar sua humanidade tendo que provar que é humano. Consumir parte da vida tendo que provar que é gente, digno de respeito", disse ao Estado o professor de Jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Juarez Tadeu de Paula Xavier. Negro, ele foi xingado de "macaco" e esfaqueado na quarta-feira, 20, no estacionamento de um supermercado em Bauru, interior de São Paulo. Os ferimentos foram superficiais e o docente teve alta. A agressão foi no Dia da Consciência Negra.
Xavier, de 60 anos, voltava de uma consulta médica quando foi atacado por Vitor Munhoz, de 30 anos, com um canivete. "Ele parou e me chamou de 'macaco'. Fui tirar satisfação." Os dois, então, iniciaram luta corporal. "Quando ele tentou me acertar, consegui me esquivar. Até que pessoas ao redor me ajudaram a contê-lo. Só percebi que tinha sido esfaqueado quando começou a sangrar muito."
Um empresário e o segurança do supermercado intervieram e seguraram o agressor. O empresário Felipe Azevedo disse à polícia que Munhoz continuava chamando a vítima de "macaco", enquanto o agredia. Ele ajudou a conter o agressor e se tornou testemunha do caso.
O professor foi atingido no ombro esquerdo, no braço e nas costas, onde teve de fazer uma sutura. A alta foi no mesmo dia do ataque e ele relata estar bem e medicado. Xavier afirma ainda desconhecer Munhoz.
Até a tarde desta quinta, a família do agressor não havia contratado um advogado. Um parente, que não quis se identificar, disse à reportagem que ele sofre de transtornos mentais e está em tratamento contra esquizofrenia.
Como a família alegou tratamento psiquiátrico, o delegado fixou fiança de R$ 1 mil para que ele pudesse responder em liberdade por injúria e lesão corporal dolosa. A defesa de Xavier quer que ele responda por tentativa de homicídio.
Docente já foi vítima de racismo em 2015 na Unesp
"Eu tenho dito: não é possível que um negro no Brasil nunca tenha passado por situação de racismo. Imaginávamos que tínhamos avançado, mas parece que não. Isso só mostra a necessidade de continuar discutindo Direitos Humanos", afirmou.
Pesquisador do Núcleo Negro Unesp para Pesquisa e Extensão (Nupe), Xavier estuda o movimento negro há anos e não foi a primeira vez que foi vítima do racismo. Em 2015, pichações em um banheiro da Unesp traziam xingamento de "macaco" contra ele. Uma comissão foi formada para investigar a autoria dos ataques, mas a apuração foi encerrada sem conseguir identificar os autores.
De origem simples, Xavier nasceu na Vila Mazzei, zona norte paulistana. Seu pai era caminhoneiro e ficou preso por delito comum até 1970, quando foi assassinado. Sua mãe veio de Minas para São Paulo para trabalhar em uma indústria têxtil e, depois, como empregada doméstica. Por causa da violência na região em que morava, Juarez passou a adolescência em uma casa de candomblé na zona leste da capital. Ficou sem ir para escola dos 10 aos 17 anos.
Mais tarde, já depois dos 30 anos, conseguiu concluir a graduação em Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. O mestrado e o doutorado foram na Universidade de São Paulo (USP), principal instituição de ensino superior do País.
Raiva e indignação, de acordo com o docente, foram os primeiros sentimentos que o tomaram no momento da nova agressão. "Estamos na luta política por igualdade há muitos anos. Não dá para dizer que não fica abalado. Tenho filhos, esposa, projetos, sonhos. Sempre abala", afirmou.
Apesar disso, ele ressalta as mensagens de apoio e a ajuda de amigos e parentes e diz ter esperança no futuro. Para Xavier, "é necessário que a gente mantenha nossa utopia, ela nos ajuda a caminhar em frente."
Em nota, a Unesp disse que atos do tipo reforçam a necessidade de continuar a "luta contra a discriminação racial, os preconceitos, de qualquer natureza, e especialmente contra a desigualdade abissal que marca historicamente a população negra no Brasil". A Associação de Docentes da Unesp afirmou que o crime não pode ser "banalizado e esquecido".