Há poucos dias o Supremo Tribunal Federal decidiu que a prescrição do FGTS é de 5 anos, e não de 30 anos. Isso, todos os jornais noticiaram. Mas você entendeu o motivo da polêmica e o que significa essa decisão do STF? Se não, vai entender agora.

Antes, porém, saiba que o Supremo Tribunal Federal deu mais um sinal muito claro não apenas de que resolveu dar as costas para os trabalhadores brasileiros, mas também de que resolveu agredir as boas técnicas de interpretação das normas legais.

Mas vamos começar do início, ou seja, falando sobre o motivo de toda a polêmica.

O artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, aponta que a prescrição quanto aos créditos trabalhistas é de cinco anos, observado o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. Isso significa o seguinte:

1) enquanto o contrato de trabalho está em vigor, o empregado tem o prazo de cinco anos para reclamar algum direito que não lhe tenha sido pago, sendo contado esse prazo a partir do momento em que o pagamento deveria ter sido feito;

2) se o contrato terminou, o trabalhador tem o prazo de dois anos, a partir do término, para ajuizar sua ação, e se respeitar esse prazo, poderá reclamar os direitos dos últimos cinco anos, contados a partir do momento em que ajuizou a ação.

Ora, pensará o leitor, se a Constituição Federal já menciona esse prazo de cinco anos, então qual o motivo da polêmica? Por que precisou o STF dizer o que já estava dito na Constituição?

O problema, caro leitor, é que a Lei do FGTS (Lei 8.036/90), em seu artigo 23, §5º, menciona que a prescrição do FGTS é de 30 anos. E a dúvida era precisamente essa, ou seja, qual seria o prazo a ser aplicado para a prescrição do FGTS: o de cinco anos, previsto na Constituição Federal, ou o prazo de 30 anos, previsto na Lei 8.036/90?

E o pensante leitor talvez já tenha concluído que nem havia o que ser discutido, pois a norma insculpida na Constituição Federal sempre deve prevalecer sobre aquela trazida pela lei ordinária. Só que, no caso, a solução não é assim tão simples quanto parece à primeira vista.

O problema é que a mesma Constituição Federal, no caput do mesmo artigo 7º, aponta que esse artigo apresenta um rol de direitos dos trabalhadores “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”. Isso significa que a lista do artigo 7º contém apenas o mínimo de direitos que são atribuídos aos trabalhadores, mas que além dos mesmos também podem ser reconhecidos outros, em outras normas (necessariamente inferiores à Constituição Federal), desde que aumentem a proteção desses trabalhadores.

Em outras palavras, a norma legal que deve ser aplicada aos trabalhadores deve ser sempre aquela que lhes confere maior proteção, pouco importando se é a própria Constituição Federal ou se é uma lei infraconstitucional ou mesmo uma norma contratual. É o que se denomina de PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL.

Assim, por exemplo, a Constituição Federal assegura o adicional de horas extras de no mínimo 50%, mas se a Convenção Coletiva estipular que o adicional de horas extras para aquela categoria será de pelo menos 70%, é este adicional da CCT que será o aplicado, e não o da Constituição Federal; da mesma forma, a Constituição Federal assegura o direito a um salário mínimo fixado em lei, mas se a norma coletiva estipular um piso salarial em valor superior ao mínimo legal, o mínimo fixado na norma coletiva é que deverá ser observado nos contratos de trabalho dos trabalhadores alcançados pela referida norma. Ou seja, a norma mais favorável é a que deve ser aplicada, pouco importando qual o dispositivo em que esteja revelada.

Da mesma forma, em relação à prescrição, a Constituição estabelece o prazo de 5 anos, mas a norma infraconstitucional (a Lei 8.036/90) estabelece o prazo de 30 anos especificamente para a prescrição do FGTS. Logo, se a lei infraconstitucional se mostra mais favorável aos trabalhadores, então é essa norma infraconstitucional que deve ser aplicada, pois é isso o que determina o caput do artigo 7º, da Constituição Federal. Dito de outro modo, embora o prazo da prescrição quanto aos direitos trabalhistas, em geral, seja de 5 anos, especificamente em relação ao FGTS deve prevalecer o prazo de 30 anos, previsto na Lei 8.036/90.

E nunca houve dúvidas sérias quanto à aplicação desse prazo de 30 anos para a prescrição quanto aos recolhimentos do FGTS, que funcionava da seguinte forma (Súmula 362, do TST):

1) enquanto o contrato de trabalho estivesse em vigor, o empregado teria o prazo de trinta anos para reclamar contra a falta de algum recolhimento, sendo contado esse prazo a partir do momento em que o recolhimento deveria ter sido feito;

2) se o contrato terminasse, o trabalhador teria o prazo de dois anos, a partir do término, para ajuizar sua ação, e se respeitasse esse prazo, poderia reclamar os recolhimentos dos últimos trinta anos, contados a partir do momento em que ajuizou a ação.

Isso, até a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Pois bem, essa decisão, ignorando solenemente o que consta do caput do artigo 7º, da Constituição Federal, concluiu que o artigo 23, § 5º, da Lei 8.036/90, é inconstitucional, por ter estabelecido prazo prescricional superior ao do artigo 7º, XXIX, da CF, como se a própria norma constitucional não estivesse indicando que isso pode ser feito.

Essa decisão do Supremo, portanto, é um enorme retrocesso social, afastando entendimento já pacificado e solidamente fincado no próprio texto da Constituição Federal. De qualquer modo, gostemos ou não, essa será a interpretação a ser observada daqui por diante.

Por isso, passemos à segunda parte do nosso texto, que é a compreensão do que decidiu o STF, que modulou a decisão, ou seja, que estabeleceu regras de transição entre o entendimento anteriormente observado e o que doravante deverá ser seguido.

Pois bem, disse o Supremo Tribunal Federal que para os prazos prescricionais já iniciados, deverá ser observada a prescrição de 30 anos a partir do recolhimento que não foi feito ou a de cinco anos a partir da decisão do Supremo, a que ocorrer primeiro; e para os prazos que ainda começarão, ou seja, para os recolhimentos que daqui para frente deixarem de ser feitos, o prazo será sempre o de 30 anos.

Expliquemos melhor, levando em conta que a decisão do STF foi proferida em novembro de 2014:

1) se o contrato ainda está em vigor e o FGTS não recolhido é de outubro de 1986, o prazo de 30 anos terminará em outubro de 2016; o prazo de 5 anos, contado a partir da decisão do STF, terminará em novembro de 2019. Nesse caso, prevalecerá o prazo de 30 anos, pois é o que ocorrerá em primeiro lugar.

2) se o contrato ainda está em vigor e o FGTS não recolhido foi o do mês de outubro de 1990, o prazo de 30 anos terminará em outubro de 2020; o prazo de 5 anos, contado a partir da decisão do STF, terminará em novembro de 2019. Nesse caso, prevalecerá o prazo de 5 anos, pois é o que ocorrerá em primeiro lugar.

3) se no mês de janeiro de 2016 o FGTS deixar de ser recolhido, o prazo prescricional terminará em janeiro de 2021, pois para os FGTS que futuramente deixarem de ser recolhidos o prazo será sempre o de 5 anos.

4) em todos esses casos acima, se o contrato terminar, deverá sempre ser observado o prazo de dois anos após esse término contratual, pois se esse prazo for ultrapassado prescreverão de uma só vez todos os direitos decorrentes desse contrato de trabalho, inclusive o FGTS.

Em síntese, esse foi o significado dessa decisão do STF, e o que mais preocupa é que é essa mesma Corte Suprema, que não tem demonstrado o menor respeito pelos direitos dos trabalhadores, que em breve decidirá sobre o alcance e a validade da terceirização. Socorro! Onde fica Pasárgada?

(*) Aldemiro Rezende Dantas Jr é Juiz do Trabalho no estado do Amazonas. O presente artigo foi publicado originalmente no site do Diap, dia 19/11/2014.


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