"Tivemos o melhor Enem de todos os tempos, tanto em execução, operação e logística, como também em termos de formulação", disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub, em entrevista coletiva no dia 10 de novembro, data final do Exame Nacional do Ensino Médio de 2019.

 

Durante todo o mês de novembro, Weintraub repetiu em falas públicas e nas redes sociais que o primeiro Enem sob sua gestão à frente do Ministério da Educação (MEC) seria o melhor exame da história do país.

Especialistas em educação e professores ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, dizem que uma série de imprevistos — alguns com consequências graves, como a atribuição de notas erradas a milhares de candidatos, segundo admitiu o próprio MEC — mostram que a propaganda feita pelo ministro não se confirmou.

Para milhões de jovens brasileiros, a nota no Enem — e sua celeridade — tem enorme importância, já que é critério para seleção em universidades públicas e privadas, além de bolsas de estudos e financiamento de mensalidades em programas como o Prouni e o Fies, respectivamente.

Os problemas da edição de 2019 da prova começaram em 1º de abril, com o anúncio da falência da gráfica RR Donnelley, responsável pela impressão do Enem desde 2009.

Depois de 25 anos de operações no Brasil, a multinacional encerrou suas operações no país alegando "as atuais condições de mercado na indústria gráfica e editorial tradicional, que estão difíceis em toda parte, mas especialmente no Brasil" e pegou o governo de surpresa.

Vinte dias depois, o governo anunciou a contratação de uma nova gráfica às pressas, sem licitação. A substituta foi a Valid Soluções S.A., com um contrato de R$ 151,7 milhões.

Hoje, o Ministério da Educação acusa a mesma gráfica pelas "inconsistências" nas notas divulgadas de alguns candidatos — fruto de uma associação equivocada entre as cores do caderno de questões e gabaritos.

"Aparentemente não foi uma coisa de má fé, foi um acidente, coisa que acontece. Não depende da minha avaliação. A gente vai ver legalmente o que acontece", disse Weintraub.

Na noite de segunda-feira (20), em coletiva de imprensa e comunicado publicado em seu site, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, autarquia responsável pela elaboração da prova) afirmou que as "inconsistências" foram detectadas em notas de 5.974 participantes do Enem, cerca de 0,15% do total de candidatos presentes (3,9 milhões), e já foram corrigidas no sistema.

A maior parte destes casos se concentrou em quatro cidades: Viçosa, Ituiutaba e Iturama, em Minas Gerais; e Alagoinhas, na Bahia.

"Ao tomar conhecimento da inconsistência, atuamos com transparência e agilidade. Acionamos, imediatamente, a gráfica e o consórcio aplicador para identificação da origem do ocorrido", assegurou Alexandre Lopes, presidente do Inep.

Dança das cadeiras no Inep

Ao mesmo tempo em que apontam que uma prova com tantos contratempos não pode ser considerada a melhor da história, os especialistas concordam que um exame desta magnitude — o Enem teve 6,38 milhões de inscritos em 2019 — tem logística difícil e que não é a primeira vez em que problemas são identificados.

O problema mais grave até hoje foi registrado em 2009, quando a prova foi roubada de uma gráfica paulistana e precisou ser cancelada, levando universidades a desistirem de usar o resultado como critério de seleção.

"As outras edições do Enem também tiveram problemas, mas aparentemente os problemas deste são maiores", avalia Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora do Banco Mundial para Educação.

Além da contratação da gráfica sem licitação e do erro nas correções, a especialista lembra que "o Inep trocou quatro vezes de titular e a diretoria responsável pela prova ficou sem titular por meses".

"Para mim, isso mostra uma irresponsabilidade do MEC. O Inep é um órgão bastante profissional, não dá para olhar para ele com viés ideológico", diz.

De janeiro a maio de 2019, o órgão responsável pelo Enem foi dirigido inicialmente por Maria Inês Fini, que esteve à frente do Inep até janeiro e apoiou a transição entre os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Depois, quem assumiu foi o professor Marcus Vinicius Rodrigues, exonerado em 26 de março, um dia depois de cancelar a avaliação federal de alfabetização, medida revogada pelo MEC em meio a uma onda de críticas.

Seu substituto, Elmer Coelho Vicenzi, ficou apenas 18 dias no cargo e também foi demitido em meio a uma disputa interna sobre a divulgação ou sigilo de indicadores educacionais produzidos pelo órgão.

Em seguida assumiu o engenheiro químico Alexandre Lopes, que segue no cargo.

"Falar em melhor Enem da história é uma abordagem meio midiática", diz Costin. "Educação tem que ter politica técnica, sólida, e menos mídia associada. Tem que ser vista com serenidade e não com impulsos. Então, de fato, ele operou mal o papel de ministro nessa questão."

Vazamento da redação
Além da contratação da gráfica sem licitação e da falha na correção, o Enem deste ano também teve o vazamento de uma das páginas do primeiro dia de provas, 3 de novembro.

A foto da página que continha a prova de redação circulou pelas redes sociais durante a aplicação do exame e, segundo o ministro Weitraub, foi tirada e distribuída por um fiscal de prova.

 

 

Ainda segundo o ministro, o vazamento não interferiu no exame.

Para Gilberto Giusepone, diretor executivo do tradicional Cursinho da Poli, "é óbvio que outros Enems tiveram problemas, mas este gera procupação extra por pecar por absoluta falta de transparência".

"Eu nunca vi isso no Brasil, independente de governo", diz Giusepone. "O Inep tem mais de 80 anos. Os técnicos têm excelência internacional. Quando se muda por critérios políticos a presidência de um órgão como esse, está aí um prenúncio de que não vai dar certo, porque a dança de cadeiras prejudica o planejamento do próprio Inep."

"Este não é o melhor Enem da história, muito pelo contrário", prossegue o professor, que diz não se lembrar de nenhuma edição em que houve troca de gabaritos na história da prova que, desde 2004, serve como critério para a entrada de estudantes em cursos superiores.

"A prova em si manteve o estilo dos anos anteriores, o que é bom. Mas, em termos operacionais, de logística e de segurança, foi um desastre."

Problemas anteriores
Recentemente, as únicas edições do Enem sem erros considerados graves foram as de 2013 e 2018.

Em 2009, além do roubo da prova, os problemas do Enem incluíram a divulgação de um gabarito incorreto, questões anuladas por erros e uma abstenção recorde de 1,5 milhão de inscritos.

Em 2010, 9,5 mil estudantes foram convidados pelo Inep para refazerem suas provas graças a falhas de impressão que mostraram perguntas trocadas ou repetidas. Mais da metade dos alunos não refizeram a prova, levando o Ministério da Educação a permitir que os alunos pudessem solicitar nova correção das provas anteriores.

No ano seguinte, mais de 600 alunos tiveram suas provas anuladas e tiveram de refazê-las, após um colégio do Ceará ter tido acesso a questões usadas na prova com antecedência.

Em 2014 e 2015, a Polícia Federal foi acionada para investigar o suposto vazamento de trechos da prova. O Ministério Público Federal do Ceará entendeu que o vazamento de 2014 não afetou o desempenho dos candidatos. No ano seguinte, segundo o Inep, os boatos eram falsos.

Em 2016, a megaonda de ocupações em escolas fez com que mais de 270 mil estudantes fizessem suas provas em uma data extraordinária, após terem dificuldades em entrar nos colégios nas datas oficiais.


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