Por Jefferson Gonçalves de Oliveira
Durante mais de 300 anos, foram transportados nos porões dos navios negreiros aproximadamente mais de dez milhões de negros “coisificados”, humilhados, arrancados e separados de suas mães, pais, companheiros e irmãos para alimentar a economia mercantilista do império. Estima-se que cinco milhões deles aportaram em terras brasileiras trazendo consigo muita dor, saudade e um grande grito de liberdade. Essa suposta “liberdade” passou por dois processos importantíssimos, atribuídos à força e luta dos movimentos sociais, primeiramente pela grande democracia palmariana, com a figura principal de Zumbi dos Palmares, e, logo após, com a suposta abolição sobre o impacto das reivindicações dos abolicionistas e antirracistas da época.
A abolição da escravatura no Brasil não livrou os ex-escravos afro-brasileiros (que já eram livres antes do 13 de maio) da discriminação racial e das consequências nefastas dessa, como a exclusão social e a miséria (AUGUSTO, 2005). Deixados a própria sorte, sem uma política de igualdades de direitos e sem capital, negros foram se distanciando das ações da sociedade, dificultando, assim, sua inserção social. Porém, alguns movimentos sociais negros acreditavam que a única forma de eles se inserirem devidamente no contexto social era a educação. Ela, então, passou a ser definida socialmente pelos negros como uma ferramenta de ascensão social, conforme pesquisas realizadas pelo sociólogo Florestan Fernandes, em 1951. Logo a militância e intelectuais negros viram que a escola também era um meio de perpetuar o preconceito contra todas as diferenças, principalmente contra o negro, por conter um modelo eurocêntrico propagador do embranquecimento cultural em sentido amplo (AUGUSTO, 2005). Portanto, ao perceberem isso, os movimentos sociais negros começaram a incluir em sua agenda de reivindicações, junto ao estado brasileiro, políticas de promoção da igualdade racial dentro do ambiente escolar. Essas ações iniciada nos anos 50 foram “concretizadas” somente em 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 10.639, que modificou a LDB, instituindo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas instituições de ensino públicas e privadas.
Chegando a seu décimo aniversário, algumas perguntas surgem: a lei está sendo devidamente implementada? Por que estudar história e cultura afro-brasileira e africana? Muitos entraves impedem a implantação da lei, mas a insensibilidade dos atores escolares em discutir as políticas de promoção de equidade e se dedicarem em se qualificar e criar métodos de ensino da temática é a principal delas. A partir do momento em que a história africana e afro-brasileira for objeto de estudo, a história contada pelo ponto de vista europeu perderá a centralidade e, assim, a educação saberá compreender o multiculturalismo e a diversidade dos seus educandos compactuando com uma melhor vivência desses nos ambientes escolares. Segundo Petronilha (Parecer do Conselho Nacional da Educação 2004), a lei não é um privilégio de uma cultura e, sim, uma política de reparação a um segmento da população que foi massacrado e precisa ser reconhecido. Essas políticas afirmativas criam duas consciências: a negra e a branca. A primeira traz o reconhecimento do negro na cultura nacional, expressando suas próprias visões de mundo com autonomias individuais e coletivas, e a segunda reconhecendo a cultura negra como grande influência na cultura brasileira e suas individualidades.
Diante disso, a lei 10.639 é uma grande ferramenta na construção de uma sociedade brasileira mais igual, com respeito à diversidade étnica, cultural e moral, sendo o sistema educacional primordial nesta estrutura, alimentando os nexos nas relações inter-raciais. Cabe a nós, professores, unidades escolares, gestores, encabeçar essa causa e, juntos, construirmos programas de ações afirmativas na implementação efetiva da lei.
Jefferson Gonçalves de Oliveira é professor pós graduando em História da África e do Negro no Brasil
Por Jefferson Gonçalves de Oliveira
Durante mais de 300 anos, foram transportados nos porões dos navios negreiros aproximadamente mais de dez milhões de negros “coisificados”, humilhados, arrancados e separados de suas mães, pais, companheiros e irmãos para alimentar a economia mercantilista do império. Estima-se que cinco milhões deles aportaram em terras brasileiras trazendo consigo muita dor, saudade e um grande grito de liberdade. Essa suposta “liberdade” passou por dois processos importantíssimos, atribuídos à força e luta dos movimentos sociais, primeiramente pela grande democracia palmariana, com a figura principal de Zumbi dos Palmares, e, logo após, com a suposta abolição sobre o impacto das reivindicações dos abolicionistas e antirracistas da época.
A abolição da escravatura no Brasil não livrou os ex-escravos afro-brasileiros (que já eram livres antes do 13 de maio) da discriminação racial e das consequências nefastas dessa, como a exclusão social e a miséria (AUGUSTO, 2005). Deixados a própria sorte, sem uma política de igualdades de direitos e sem capital, negros foram se distanciando das ações da sociedade, dificultando, assim, sua inserção social. Porém, alguns movimentos sociais negros acreditavam que a única forma de eles se inserirem devidamente no contexto social era a educação. Ela, então, passou a ser definida socialmente pelos negros como uma ferramenta de ascensão social, conforme pesquisas realizadas pelo sociólogo Florestan Fernandes, em 1951. Logo a militância e intelectuais negros viram que a escola também era um meio de perpetuar o preconceito contra todas as diferenças, principalmente contra o negro, por conter um modelo eurocêntrico propagador do embranquecimento cultural em sentido amplo (AUGUSTO, 2005).
Portanto, ao perceberem isso, os movimentos sociais negros começaram a incluir em sua agenda de reivindicações, junto ao estado brasileiro, políticas de promoção da igualdade racial dentro do ambiente escolar. Essas ações iniciada nos anos 50 foram “concretizadas” somente em 2003, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 10.639, que modificou a LDB, instituindo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas instituições de ensino públicas e privadas.
Chegando a seu décimo aniversário, algumas perguntas surgem: a lei está sendo devidamente implementada? Por que estudar história e cultura afro-brasileira e africana? Muitos entraves impedem a implantação da lei, mas a insensibilidade dos atores escolares em discutir as políticas de promoção de equidade e se dedicarem em se qualificar e criar métodos de ensino da temática é a principal delas. A partir do momento em que a história africana e afro-brasileira for objeto de estudo, a história contada pelo ponto de vista europeu perderá a centralidade e, assim, a educação saberá compreender o multiculturalismo e a diversidade dos seus educandos compactuando com uma melhor vivência desses nos ambientes escolares. Segundo Petronilha (Parecer do Conselho Nacional da Educação 2004), a lei não é um privilégio de uma cultura e, sim, uma política de reparação a um segmento da população que foi massacrado e precisa ser reconhecido. Essas políticas afirmativas criam duas consciências: a negra e a branca. A primeira traz o reconhecimento do negro na cultura nacional, expressando suas próprias visões de mundo com autonomias individuais e coletivas, e a segunda reconhecendo a cultura negra como grande influência na cultura brasileira e suas individualidades.
Diante disso, a lei 10.639 é uma grande ferramenta na construção de uma sociedade brasileira mais igual, com respeito à diversidade étnica, cultural e moral, sendo o sistema educacional primordial nesta estrutura, alimentando os nexos nas relações inter-raciais. Cabe a nós, professores, unidades escolares, gestores, encabeçar essa causa e, juntos, construirmos programas de ações afirmativas na implementação efetiva da lei.
Jefferson Gonçalves de Oliveira é professor pós graduando em História da África e do Negro no Brasil
Referências Bibliográficas
BRASIL. Lei nº10.639, de 9 de janeiro de 2003. Diário Oficial do Distrito Federal, 10 de Janeiro de 2003.
FERNANDES, Florestran. A integração do Negro na sociedade de classes. São Paulo: Atica, 3ª Ed, 2 vol., 1978[1965].
GOMES, Nilma Lino. Limites e possibilidades da implementação da Lei nº 10.639/03 no contexto das políticas públicas em educação. In: HERINGER, Rosana; PAULA, Marilene de. (Orgs.). Caminhos convergentes: estado e sociedade na superação das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Henrich Boll Stiftung; Action Aid, 2009, p. 39-74.
SANTOS, Sales Augusto dos. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do movimento negro. In: Educação anti-racista; caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.