Direito de moradia existe só para os que são proprietários
O Brasil assistiu perplexo à desocupação de Pinheirinho, cuja comunidade de cerca de 6.000 pessoas, incluindo crianças, idosos e doentes, foi jogada ao relento, na amargura, para dar cumprimento a uma decisão judicial, como se as decisões judiciais, inclusive as do colarinho-branco, fossem cumpridas com presteza e determinação.
Em favor de massa falida? Nos graves conflitos sociais, pouco importa se está em jogo o direito da massa falida ou da massa abastecida, importando, isso sim, soluções justas que só são obtidas através de bom senso e do diálogo, e não pela caneta severa do juiz e das bombas que, de efeito moral, muitas vezes produzem efeito imoral, sendo que, no caso de Pinheirinho, foram a prova de que o direito constitucional de moradia existe neste país só para os que têm condição de ser ou que já nasceram proprietários.
Depois das bombas, vieram as máquinas, impiedosas, transformando em entulho o sonho de um lugar para viver, sepultado pelos coveiros “bolsa-aluguel” e “cadastro-moradia”, o mesmo cadastro que o prefeito disse que respeitava, mas que admitiu prioridades depois que as casas foram derrubadas pelas garras de retroescavadeiras, leões que vociferam sem clemência.
Como se fossem também poeira dos escombros, lá se foram os moradores de Pinheirinho, como pássaros sem ninho, buscando outros abrigos, quem sabe debaixo de viadutos, bem diferentes daqueles que, em Brasília ou em São Paulo, fazem da chuva e do frio um embalo para o conforto das noites que só castigam “os outros” que estão lá fora sob as marquises.
E o governador de São Paulo deve ter dormido tranqüilo, entendendo ter cumprido a sua obrigação de tranquilizar os que, em entrevista, o viram e o ouviram dizer que a desocupação foi feita com “segurança”, porque na presença de um juíz (?).
O governador deveria ter dito, isto sim, que, além da segurança, estava garantindo para os despejados não apenas abrigos temporários, mas moradias definitivas e dignas, mesmo que modestas, como eram aquelas de Pinheirinho, medida que deveria ter sido tomada antes da sentença que finalizou o triste episódio de motivação apenas econômica.
Deveria o governador saber - e não sabe, assim como a inflexível caneta da juíza, por maior respaldo jurídico/legal que ela tenha - e, em sua passividade, deveria saber o prefeito que o direito dos empobrecidos, em especial o direito de não morar na rua, deveria contrapor-se à ganância dos que já têm muito, mas que sempre querem mais, mesmo que esse mais signifique disputar espaço com crianças e idosos indefesos.
Essas barbáries, como classificou a presidente Dilma Rousseff, continuam se repetindo nesta Terra de Santa Cruz, onde muitos governantes e incontáveis legisladores, em todos os níveis, alheios a tais injustiças, parecem estar preocupados só com o que está acontecendo dentro e na periferia dos sambódromos, não das cidades.
Esta é a triste realidade do Brasil, cujas desigualdades não são percebidas e muito menos resolvidas pelos que não se acanham em usar o distintivo que o povo lhes confiou para defendê-lo, porém que se desbotou na lapela desses promitentes públicos, pelo descompromisso com os compromissos sociais assumidos, inclusive em penitentes visitas a Aparecida do Norte, aonde se chega, por paradoxal que seja, pela mesma estrada que leva a São José dos Campos, que era a cidade do ITA, mas que, depois do massacre, passou a ser a cidade dos “entulhos de Pinheirinho”.
Por Evandro de Pádua Abreu, advogado, publicado no Jornal O TEMPO – em 04/02/2012, p. 18.