Fui chamada para o debate sobre Educação de Qualidade na Contemporaneidade. Poderia me debruçar sobre direito à educação, expansão das redes de ensino, número de alunos-ano-série, inclusão, gestão democrática, o lugar das políticas compensatórias na efetivação da mais cara política social, materiais pedagógicos, tablets e livros didáticos, formação continuada de professores, profissionalização docente, piso salarial, enfim: universalização do ensino por meio dos novos paradigmas educacionais do mundo contemporâneo. Contudo, minha experiência docente mediada pela práxis pedagógica e militância política tem pontuado duas questões na construção de uma educação de qualidade em nosso tempo social. 1. Para que serve educação, diante da vida social qual a sua finalidade ? 2. No contexto de Globalização da Economia, qual o lugar da relação professor-aluno na efetivação de uma educação brasileira de qualidade? Aqui podemos aventar mais uma problematização: qual o sentido da Educação Nacional brasileira no contexto da globalização da economia?

Aqui começam nossos problemas. Desde 1973 temos o início do Neoliberalismo e Pós-Modernidade, o primeiro com a crise do petróleo nos anos setenta modificando a base material da economia e o segundo com o maio de sessenta e oito, alterando a base imaterial, cultural, do centro do capitalismo europeu, fato que tem nos impactado. No Brasil essa mudança de paradigma se consubstancia com o governo Collor, mas, vale lembrar que, Educação Nacional, função social da escola, currículo constituído pela especialização de um ofício e universalização dos saberes humanos e científicos historicamente construídos e acumulados ao longo dos séculos, sobretudo do período que conhecemos como Modernidade, demarca o território próprio do lugar que conhecemos como Educação Formal existente de um modo bastante próprio, chamado de Unidade Escolar. Faço essa referência pois como nos ensinou Antonio Gramsci o novo nasce do velho, vivemos um contexto de transição social conceituada por alguns como inovação.

A segunda revolução industrial está em declínio e essa reformulação impacta a escola. Sabe-se que o mundo do século XX está se desmanchando e vemos suas mudanças nesta instituição. Relativiza-se a importância do grupo escolar, afirma-se a necessidade de constituir uma nova escola, ou pelo menos um verniz que a rejuvenesça. Termos como ensino-aprendizagem e seus objetivos instrucionais, relação professor-aluno e transmissão de saber perdem espaço para construção do conhecimento, autonomia, relação aluno-professor, ambientes virtuais de aprendizagem e autodidatismo mediados pelas novas tecnologias em educação.

Sempre partimos do pressuposto de que o novo nasce do velho, logo, compreendemos que é preciso separar o joio do trigo e até mesmo o joio do joio. Nestes tempos profundamente modernos, discernimento e bom senso são insumos essenciais na construção de qualidade na educação. Não se pode construir um novo modelo educativo sem considerar a historicidade da instituição escola mesmo sabendo que neste contexto transitório do capital para seu aprofundamento, ela tenha se desinstitucionalizado de modo perene, fato que acirra diversos conflitos em seu interior. No entanto ainda não temos claro o que tem sido posto em seu lugar e de que modo essas novas práticas educativas, muitas delas renegando a valorização da relação professor-aluno como insumo de qualidade em educação alcançam a finalidade da escola e desenham outra instituição sem a preocupação fiel de melhorá-la. Sempre é bom retirar o bebê do banho e somente jogar a água da bacia fora.

A educação de qualidade se faz com intencionalidade gramsciniana,isso quer dizer: escola unitária, princípio educativo, presença de intelectuais orgânicos como dirigentes do processo de trabalho educacional, prática educativa constituída no platô de vinculo entre professor-aluno mediado na assimilação e construção do conhecimento. O que importa é o fortalecimento de uma escola popular cujo objetivo seja o de realizar os mesmos pressupostos da escola burguesa, contudo com a diferença de que os filhos provenientes das camadas subalternas da sociedade não possuem a base material de vida daqueles provenientes das classes médias alta. Portanto, cabe aos professores e professoras serem intelectuais orgânicos comprometidos tanto com a classe trabalhadora quanto com a escola como espaço de Ciência, Cultura e Crítica Social. Somente assim, os filhos e filhas dos trabalhadores terão condição de disputar os cargos de mando e de melhor condição hierárquica na estrutura do capital com os filhos da burguesia.

Neste sentido o valor vínculo educativo entre professor/aluno é medida de valor. Quando pensamos em inovação educacional acerca da relação professor-aluno estamos nos referindo ao professor que além de assumir publicamente o que acumulou na jornada docente por meio da transmissão de seus saberes acumulados ao longo do tempo, assume o papel de facilitador da aprendizagem, ou como diria Vygotsky, todo professor é um parceiro-mais-capaz. Deste modo, Ferretti(1995) aponta a necessidade de se estabelecer relações colaborativas entre professor-aluno, tanto em seu planejamento de atividades quanto em sua execução. Aqui, pode-se ver a horizontalidade pedagógica tão anunciada por Freire, bons professores não fazem para e sim fazem com o aluno; a escuta não significa perda de sua autoridade e sim consubstanciação da alteridade democrática tão necessária à prática docente.

Nessa relação, cabe aos professores prepararem situações de aprendizagens, estimularem e instigarem os alunos e alunas a pensarem hipóteses necessárias às descobertas realizadas no processo de ensino-aprendizagem. Cabem aos alunos mobilizarem suas habilidades intelectuais por meio de seus esquemas operatórios e sobretudo realizarem o pensamento reflexivo que lemos aqui como crítico-social. Portanto, o professor facilitador da aprendizagem supera o transmissor de informações pois lhe é necessário ter atenção ao aluno enquanto ser emocional, social e cognoscente. Afastando-se de Parsons ou de uma perspectiva conteudística de educação, não se pode ignorar o fato de que a sala de aula(presencial ou semipresencial) e a relação professor-aluno(seja na vivência de professores presenciais ou auxiliares como ocorre nas universidades mais atentas à seriedade no fazer educativo na modalidade à distância) devem ser um dos principais elementos na mensuração dos insumos de qualidade em educação.

 

Cristiane Gandolfi, Socióloga, Pedagoga e Mestre em Educação pela PUC/SP.


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