por Norian Segatto - jornalista do sindicato unificado dos petroleiros de São Paulo, Campinas, s e ABC.
O petróleo sempre foi alvo de disputas econômicas e políticas. No Brasil, mesmo antes da criação da Petrobrás, a busca pelo chamado ouro negro já atiçava ânimos dos mais variados matizes. Em 1941, o nacionalista escritor Monteiro Lobato chegou a ser preso por escrever cartas ao presidente da República, Getúlio Vargas, demonstrando sua indignação pela política subserviente aos interesses estrangeiros na questão do petróleo. Na luta popular que se travou pela criação da Petrobrás, alguns pagaram seu idealismo com a vida, como o ensacador da doca de Santos, Deoclécio Santana, morto em choque com a polícia em 1949. A grande campanha popular "O petróleo é nosso" resultou, em 1953, na criação da que viria a ser a maior empresa brasileira.
A Petrobrás nasceu e cresceu sob a égide dessas disputas. Getúlio Vargas a cita em sua carta testamento: "Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma". Getúlio se suicidou, mas a empresa fundada em seu governo continuou a prosperar e ser o epicentro de interesses e crises. Um dos últimos atos do ex-presidente João Goulart, antes do golpe militar (1964), foi a encampação das refinarias privadas no país: a União SA (atual Recap, em Mauá), a Copam (atual Reman, em Manaus), a Ipiranga (RS) e a refinaria de Manguinhos (RJ). Logo após o golpe, o ditador general Castelo Branco reprivatizou as refinarias, demitiu centenas de trabalhadores e fechou sindicatos, como o dos petroleiros de Mauá (hoje Sindipetro Unificado de São Paulo).
Ataque neoliberal
O penúltimo grande golpe contra a Petrobrás veio no governo Fernando Henrique. Pressionado pelo FMI e condizente com a política econômica que conduzia, o governo se desfez do que foi capaz, minando a capacidade do Estado de ser agente indutor de políticas econômicas. Em relação à Petrobrás, a então gestão tucana descumpriu acordos firmados com os sindicatos no governo anterior (de Itamar Franco), o que gerou uma greve de 32 dias que paralisou o país. "Esse movimento de resistência foi motivado por uma disputa trabalhista, mas logo se tornou uma questão política de defesa da Petrobrás", afirma o veterano sindicalista Antônio Carlos Spis, líder daquele movimento. O governo neoliberal instalado no país ainda tentou outras manobras, como mudar a nome da empresa da Petrobrax, devaneio que durou 48 horas e custou cerca de R$ 50 milhões para empresa; quebrar o monopólio do petróleo exercido pela Petrobrás e fatiar a empresa em unidades de negócio, com ações na Bolsa de Nova Iorque.
Ao ocaso do governo Fernando Henrique, a Petrobrás era uma empresa decadente, com menos de 35 mil funcionários, um nefasto histórico recente de acidentes (como o afundamento da Plataforma P-36, que causou a morte de 11 pessoas), e com o mais baixo valor da sua história: US$ 15 bilhões.
Novos ataques velhos interesses
O mais recente capítulo dessa história aconteceu com a Operação Lava Jato, que descobriu um arraigado esquema de corrupção em contratos da Petrobrás. O que deveria ser um ótimo momento para dar maior transparência à companhia se tornou uma caça às bruxas com intenções políticas - desgastar o governo às vésperas da eleição presidencial - e econômicas - rever o sistema de partilha implantado em 2010 e fragilizar a empresa para novos ataques privatistas, desta vez de olho na magnífica riqueza do pré-sal. O atual coordenador da FUP - Federação Única dos Petroleiros - José Maria Rangel, foi enfático em seu discurso nas comemorações do 1º de maio no Rio de Janeiro. "O trabalhador petroleiro não é corrupto, tem meia dúzia de filhos da puta que assaltaram a Petrobrás e têm de pagar por isso para que a empresa continue a ser o orgulho dos brasileiros", bradou.
Apesar de o movimento sindical petroleiro condenar a corrupção e tentar blindar os atuais mais de 80 mil trabalhadores próprios, é evidente que a situação é desconfortável. "Eu lembro que na greve de 1995 éramos hostilizados na rua por conta da campanha feita pela mídia contra nós, nos acusando de estar causando o desabastecimento do país; hoje sinto um clima semelhante, parece que todo petroleiro é corrupto, mas quem está no chão da fábrica sabe que isso não é verdade, que a corrupção era restrita a alguns altos funcionários e que há muita distorção do noticiário das tvs", avalia o diretor do Sindicato dos Petroleiros de São Paulo,
Vereníssimo Barsante.
Para Rogério Razera, que trabalha desde 2008 na inspeção da Recap, em Mauá, é difícil ouvir tantas críticas indiscriminadas. "Trabalhei minha vida inteira na indústria privada e nunca tive o sentimento de amor e afeto que tenho hoje pela Petrobrás. Para nós, que vestimos a camisa da empresa, é muito difícil ouvir tudo o que está sendo falado", afirma. Rene Ribeiro, que também trabalha na Refinaria de Capuava desde 1987, compartilha o sentimento do colega: "A nossa força de trabalho é enorme, todo petroleiro tem orgulho de trabalhar nessa empresa, consciência do papel social e da nossa importância para a sociedade. Sabemos que a Petrobrás vai superar mais essa turbulência e se for necessário vamos às ruas defendê-la".
Não é a primeira nem será a última crise da Petrobrás, enquanto houver interesses privatistas na exploração do petróleo haverá abutres de plantão, como o atual senador paulista José Serra, dispostos a propagar a imperiosa necessidade de vender ativos da empresa - eufemismo para entrega do pré-sal a companhias estrangeiras. Internamente, os trabalhadores buscam informações confiáveis, se mostram muitas vezes ansiosos, em alguns bate a angústia, em outros a consciência dos interesses em jogo. "Se viermos a perder a Petrobrás ou ela reduzir suas atividades, será um grande retrocesso para a economia brasileira. Essa campanha é injusta e a oposição e imprensa, que também recebe dinheiro de grupos econômicos, estão por trás disso", afirma Rafael Tramm, que há 25 anos trabalha como tradutor na sede da Petrobrás, na Avenida Paulista.
O movimento sindical continua a defender o esclarecimento de todas as denúncias e propõe que o caso da Petrobrás sirva para mudar regras de financiamento de campanhas políticas e para a população passar a discutir de maneira mais clara a necessidade da reforma política, afirma a coordenadora do Sindicato Unificado dos Petroleiros de São Paulo, Cibele Vieira, que destaca ações que a entidade tem feito para manter a autoestima dos petroleiros. "O efeito da campanha difamatória na mídia é muito forte, e tratam como se todos os petroleiros fossem corruptos, o que é um absurdo. Mas já começamos a virar esse jogo, o Sindicato tem incentivado os trabalhadores a demonstrarem sua garra, estamos com a campanha em defesa da Petrobrás, com atos públicos, debates, camisetas, adesivos e campanha na internet. Hoje, o petroleiro e petroleira não se sentem mais acuados e têm clareza de que o que está em disputa é o petróleo brasileiro".