Por Marcos de Vasconcellos

Entre os ataques contra a Educação brasileira nos últimos meses estão projetos como o “Escola Sem Partido”, já denunciados pela Contee, e que ameaçam professores e professoras de todo o país. Compartilhamos abaixo o texto do chefe de redação da revista Consultor Jurídico, Marcos de Vasconcellos, no qual o autor aborda os projetos de lei que visam a censura escolar e cerceamento da atividade docente no Brasil.

por Marcos de Vasconcellos

Um projeto de lei que proíbe professores de veicular conteúdo ou promover atividades “que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes” tem chamado a atenção. Apelidado de “escola sem partido”, o Projeto de Lei 867/2015 ganhou similares em estados e municípios. E críticas entre constitucionalistas.

O problema apontado é que o artigo 5º da Constituição Federal garante a liberdade de expressão, enquanto o artigo 206 garante a liberdade de ensino. Assim, vedar, previamente, que professores falem sobre algo que “possa estar em conflito” com a convicção alheia contraria a Constituição.

Um dos sites em apoio ao projeto (programaescolasempartido.org) responde a tal crítica dizendo que não se trata de censura, pois o professor não desfruta de liberdade de expressão em sala de aula. O texto afirma que a Constituição “não garante aos professores a liberdade de expressão, mas, sim, a liberdade de ensinar, também conhecida como liberdade de cátedra”, fazendo referência ao artigo 206 da Carta Magna.

O site diz ainda que se o professor tivesse liberdade de expressão “sequer poderia ser obrigado (como é) a transmitir aos alunos o conteúdo da sua disciplina, pois quem exerce liberdade de expressão fala sobre qualquer assunto do jeito que bem entende”.

Para quem estuda o Direito Constitucional, no entanto, a interpretação está equivocada, pois o artigo 206 não substitui o artigo 5º, mas se soma a ele. Ou seja, por ter liberdade de ensino garantida, o professor não perde o direito à liberdade de expressão, que não pode ser suprimido de nenhum brasileiro.

Criminalização do pensamento

“Isso é tentar controlar os professores por intermédio da criminalização do pensamento”, afirma o jurista Lenio Streck, que coordenou o livroComentários à Constituição do Brasil. Na mesma obra, o constitucionalista Daniel Sarmento explica que a censura, em sua concepção mais tradicional, envolve o controle preventivo das mensagens cuja comunicação se pretende fazer. “Trata-se do mais grave atentado à liberdade de expressão que se pode conceber”, afirma Samento.

Streck se diz completamente contrário ao projeto: “Quem quer fazer escola desse modo deve ir para o canto da sala e ficar de castigo e depois ir para a lousa e escrever cem vezes: a escola deve ser pluralista. E nisso está incluído o ‘risco’ de ter um professor de esquerda… Ou de direita”.

O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serranoaponta que, ao usar termos vagos como “preferência política”, o projeto pode levar à interdição do próprio conhecimento. “Não se pode falar de racionalidade sem ampla liberdade de formulação dos pressupostos do pensamento. Em essência, a proposta obriga a adoção de uma linhagem de pensamento político-religioso”, afirma Serrano.

Ele exemplifica: “Falar de marxismo em sala de aula, por exemplo, pode ser tido como preferência política, mas como falar do mundo contemporâneo e suas formações políticas e culturais sem falar de marxismo?”.

Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente do Conselho Federal da entidade, Marcus Vinícius Furtado Coêlho aponta que tão problemático quanto um professor impor sua opinião a alunos é ele ser obrigado a não ter uma opinião. “Assim, além de inconstitucional, é desumano exigir que o professor seja um autômato dentro da sala de aula.”

Furtado Coêlho diz que a solução precisa ser o equilíbrio: “Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Assegurar a liberdade de opinião do professor desde que tal seja exercida sem impor ao aluno determinada ideologia. Cautela, ponderação e razoabilidade não fazem mal a ninguém”.

Enxurrada de projetos

Atualmente, o siteescolasempartido.org contabiliza que projetos de lei com base no anteprojeto disponível no site já foram apresentados em seis estados (Rio de Janeiro, Goiás, São Paulo, Espírito Santo, Ceará e Rio Grande do Sul) e no Distrito Federal. Além disso, aponta que já há propostas semelhantes tramitando em oito câmaras municipais.

Na Câmara de Santa Cruz do Monte Castelo (PR), a proposta já foi aprovada. Em Alagoas, desde o dia 9 de maio, os professores das escolas estaduais são obrigados a manter a “neutralidade” em sala de aula, em questões políticas, ideológicas e religiosas.

O movimento ganhou destaque depois que o ministro da Educação, Mendonça Filho, em um de seus primeiros atos após tomar posse, recebeu o ator Alexandre Frota e um dos líderes do movimento pelo impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff para discutir o projeto “escola sem partido”.

Na Câmara dos Deputados, caminham o PL 867/2015 e o PL 7.180/2014, que seguem a linha do “escola sem partido”, e o PL 1.411/2015, que tipifica o crime de “assédio ideológico”. Este prevê detenção de 3 meses a 1 ano para quem expuser aluno a assédio ideológico, “condicionando o aluno a adotar determinado posicionamento político, partidário, ideológico ou constranger o aluno por adotar posicionamento diverso do seu, independente de quem seja o agente”.

Para justificar os projetos de lei, seus autores afirmam que professores e autores de livros didáticos usam aulas e obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas.

Diante de projetos de leis de deputados federais que agridem os menos favorecidos e retrocedem os avanços da democracia brasileira e as conquistas da classe trabalhadora, nos questionamos: o Congresso Nacional está a serviço de quem?

De acordo com um estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), a radiografia do atual Congresso mostra quais os partidos ganharam e perderam na disputa das cadeiras e identifica os parlamentares com potencial para exercer influência no processo decisório do País.

A eleição de boa parte de deputados federais e senadores referendou um Congresso conservador com vistas ao social, liberal no que se refere ao poder econômico (empresarial) e atrasado em questões ambientais e direitos humanos. Foi criado um cenário de moralismo justiceiro, com a combinação de fatores entre Congresso financiado; governo impedido de administrar; Judiciário rendido aos veículos de comunicação e imprensa tendenciosa e manipuladora.

Segundo o estudo do DIAP, dos 32 partidos existentes no País, 28 são representados na Câmara dos Deputados, mantendo entre si posições que ocupavam no passado. Outros, no entanto, registraram queda para o lamento da classe trabalhadora, já que a diminuição foi registrada justamente na “bancada sindical” de 83 para 46 deputados com a seguinte composição: 29 deputados do PT, quatro do PCdoB, quatro do PSDB , três do PSB, dois do PSOL, dois do Solidariedade, um do  PV e um do PRB.

Os custos de campanha da última eleição foram determinantes para a redução da bancada dos trabalhadores e dos movimentos sociais e consequentemente para o crescimento das forças vinculadas ao mercado e ao setor empresarial, inclusive no ramo do agronegócio.

De acordo com o jornal “O Estado de São Paulo”, do dia 07/12/14 – “As empresas que mais doaram para campanha elegeram 70% da Câmara”. A reportagem cita que sete de cada 10 deputados federais eleitos receberam recursos das 10 empresas que mais fizeram doações eleitorais. Elas contribuíram financeiramente para a eleição de 360 dos 513 deputados eleitos”.  Segundo dados da matéria os maiores financiadores são: JBS (frigoríficos) elegeu 162 deputados investindo R$ 61,2 milhões; Bradesco - R$ 20,3 milhões com 113 deputados eleitos; Itaú investiu R$ 6,5 milhões e conseguiu eleger 84 deputados, além das empreiteiras, OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC Engenharia e Queiroz Galvão.

Diante deste quadro fica claro e evidente constatar que, boa parte dos políticos, está  defendendo os interesses daqueles que detém o poder econômico para influenciar os patrocinados a criarem leis que defendam, protejam e aumentem seu capital.

Outro jornal que também informa sobre o assunto é o “Brasil de Fato” do dia 18/08/15, que  segundo matéria publicada, a Bradesco Saúde está entre as empresas que mais financiaram a campanha de deputados fiéis aos objetivos do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, em votações emblemáticas como terceirizações, financiamentos de campanha e maioridade penal. Foram mais de R$ 4 milhões distribuídos entre 11 partidos, sendo que metade deste valor foi para o PSDB (R$ 1,2 milhão) e PMDB (R$ 820,9 mil), partido de Cunha, que desta fatia abocanhou R$ 250 mil.

Quem acompanha os trabalhos da casa, observa que o presidente da Câmara tem colocado em pauta uma série de medidas que, para a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), enfraquecem o Sistema Único de Saúde (SUS) e dão mais força aos planos privados.

A reportagem cita que entre as iniciativas que privilegiam os empresários do setor, está a Medida Provisória (MP) 627, da qual Cunha foi relator. O texto tratava de alterações na tributação dos lucros obtidos por multinacionais brasileiras. O deputado inseriu na MP um artigo que estabelecia redução do valor das multas que planos de saúde deveriam pagar no descumprimento de contratos com seus clientes, ou seja, uma medida totalmente partidária ao seu financiador de campanha.

De acordo com o Ministério da Saúde, caso a emenda fosse aprovada, as operadoras privadas que descumprem obrigações contratuais e legais receberiam um perdão de cerca de R$ 2 bilhões. O artigo, no entanto, foi vetado pela presidenta Dilma Rouseff.

Outro exemplo de favorecimento foi  o veto para instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito “dos planos de saúde”, proposta pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP). Valente obteve as assinaturas necessárias para a instalação da CPI , mas a criação foi barrada por Cunha, que alegou “falta de foco”.

Segundo Ivan Valente, “a decisão do presidente da casa em barrar a instauração da CPI dos Planos de Saúde foi meramente política, uma vez que todos os requisitos para justificar uma investigação foram cumpridos”. Ele afirmou ainda que a CPI deveria discutir, entre os temas, “a influência dos planos de saúde na política”.

Outros deputados que também defendem os patrocinadores são os ligados à bancada BBB (Boi, Bíblia e Bala), como foi batizada pela deputada Erika Kokay (PT).  A participação desses parlamentares no plenário dominou muitas sessões com interesses específicos de seus agentes financiadores, representados por ruralistas, evangélicos e delegados. Redução da maioridade penal, demarcações de terras indígenas, estatuto do desarmamento, estatuto da família, elevação da pena para crimes cometidos contra policiais e militares, estatuto do nascituro, criminalização da heterofobia , aborto como crime hediondo e dia do orgulho hétero foram temas de especial interesse dos patrocinadores da bancada BBB.

De acordo com André Luís dos Santos, assessor parlamentar do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), a bancada de deputados BBB é muito atuante e “dispõe de 40% dos votos da Câmara, mas são capazes de formar maioria com tranquilidade, não tendo dificuldade para angariar apoio de outros blocos, até por ocuparem postos-chave na estrutura de poder da Casa, negociando cargos e favores”. Segundo André Luís, eles contam com apoio do PSDB, DEM, PSD, PRB, Solidariedade, PSC e parte do PMDB.

Nessa frente conservadora, a ala mais numerosa é a ruralista, formada por 109 deputados e 17 senadores.

Boa parcela destes políticos foi financiada por mineradoras, bancos privados, seguradoras e corporações. Os dados são públicos e constam na página virtual do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os projetos polêmicos em pauta são: Demarcações das Terras Indígenas, Terras Quilombolas, Unidades de Conservação ambiental, Código da Mineração e Recursos Genéticos.  No topo das prioridades está a PEC 215 aprovada em comissão especial na Câmara em outubro do ano passado, retirando do Executivo a exclusividade de demarcar as terras dos índios e transferindo a palavra final ao poder Legislativo, o que acarretará ameaças aos direitos indígenas, já que os deputados estão a mando de seus financiadores de campanha.

Outra questão polêmica na pauta do Congresso é o Código da Mineração, que substitui o Código em vigor, de 1967. A principal mudança é a determinação do Executivo de licitar as áreas de mineração. O Código gerou "filhotes" como o projeto do deputado reeleito Vinícius Gurgel (PR-Amapá) que permite mineração em 10% das Unidades de Conservação de uso restrito, isto é, parques nacionais, estações ecológicas e reservas biológicas.

Já a Bancada da Bíblia, que ocupa a segunda posição, aumentou de 73 para 75 o número de deputados eleitos, além de preservar três senadores, como é o caso do pastor Marco Feliciano (PSC), que é referência para os evangélicos. Mas é novamente o peemedebista Eduardo Cunha, fiel da igreja “Sara Nossa Terra”, quem ocupa um lugar de destaque no Congresso, por definir o que entra ou não na pauta da Câmara, mesmo com a possibilidade de cassação de mandato que se arrasta na casa há cerca de sete meses.

Eduardo Cunha

Trajetória do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ)

Envolvido em diversos escândalos de corrupção, o deputado trabalha contra os direitos dos trabalhadores, das mulheres e dos gays.
• 1992: Denúncias de ilegalidades que envolviam o tesoureiro da campanha de Fernando Collor de Mello, PC Farias, apontavam que Eduardo Cunha era um dos principais captadores de dinheiro para a campanha do então candidato. Em 1991 ao assumir a presidência do Brasil, Collor nomeou Cunha como presidente da TELERJ. Ele foi retirado do cargo no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso por “trapalhadas administrativas” e corrupção.
• Em 2000, Eduardo Cunha deixou a Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro, alguns meses depois de assumir o comando da Empresa, sob acusações de fraudar licitações para favorecer a construtora de um amigo de partido durante o governo de Anthony Garotinho. O advogado do deputado usou documentos falsos para livrá-lo da acusação de fraude nas licitações.
• Em 2002, a falsa documentação também foi utilizada para arquivar uma investigação contra Cunha no Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. O Ministério Público Federal percebeu um complô entre o subprocurador de Justiça Elio Fischberg, Eduardo Cunha e o advogado Jaime Cukier. Os três viraram réus na Justiça e somente Fischberg foi condenado.
• Eduardo Cunha também estava envolvido em um esquema de corrupção que resultou num rombo de R$ 850 milhões em impostos. O caso aconteceu entre 2002 e 2006 quando uma CPI apurou um esquema de venda de combustíveis sem o recolhimento de impostos no Rio de Janeiro. Cunha participava do esquema e teve vários contatos confirmados com Ricardo Magro, dono da refinaria de Manguinhos, apontado como um dos principais cabeças da fraude.
• Em 2005 Eduardo Cunha foi ligado a denúncias de desvio de recursos do Mensalão. Ele estava envolvido com desvio de recursos do fundo de pensão da Companhia de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, no repasse de dinheiro público a partidos políticos.
• Em 2007 a deputada estadual Cidinha Campos (PDT-RJ) acusou Cunha de ter vendido um imóvel em Angra dos Reis por US$ 800 mil ao traficante de drogas Juan Carlos Abadia, preso no mesmo ano. Cunha teria comprado o imóvel de volta por US$ 700 mil. 
• Em 2010 Eduardo Cunha foi retirado da relatoria do anteprojeto do Código de Processo Civil (CPC) por influência direta da Ordem dos Advogados do Brasil. Para se vingar da entidade, em 2011, Cunha propôs projetos na Câmara Federal para acabar com o exame da OAB.

• Eduardo Cunha indicou o deputado Arthur Lira (PP-AL) para presidir a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Enquadrado na Lei Maria da Penha, Arthur Lira é acusado de agredir fisicamente a companheira dele, Jullyene Cristine Santos Lins em 2006. O caso foi denunciado em 2012 e, em 2013, o deputado tornou-se réu no Supremo Tribunal Federal. Além de tapas e socos, Jullyene disse em depoimento que foi arrastada pelos cabelos e chutada enquanto estava no chão.

• 2016 - Por dez votos a zero, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu o julgamento que decidiu pela abertura de processo criminal contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com a decisão, Cunha passa a ser o primeiro parlamentar no exercício do mandato a se tornar réu a partir das investigações da Operação Lava Jato, que apura um esquema de corrupção na Petrobras.

 

E para finalizar, completam o time BBB, 22 deputados da “Bancada da Bala”, defensores da redução da maioridade penal, do fim das penas alternativas e da permissão do porte de arma para todo cidadão. A figura expressiva deste segmento é o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), capitão da reserva do Exército. Bolsonaro, que exerce o sétimo mandato na Câmara, ganhou notoriedade após dar declarações sobre questões polêmicas, como homofobia, preconceito racial, sexismo, cotas raciais e defesa da tortura e do regime militar no Brasil, sendo classificado como representante da extrema-direita brasileira.  Outra polêmica envolvendo o deputado foi no episódio de confronto com a deputada Maria do Rosário (PT/RGS). “ Há poucos dias, tu me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não estuprava você porque você não merece” disse Bolsonaro.

Portanto, são esses os deputados federais, maioria na Câmara, que têm o poder de decisão dos rumos político, social e econômico do País. São eles, os responsáveis a rasgar a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e a Constituição Brasileira de 1988.

Sérgio Corrêa - Jornalista

 

*Por Milena Buarque

O presidente da Federação dos Professores de São Paulo, Celso Napolitano, afirmou hoje (22/06) que a qualificação de professores tem sido deficiente no ensino superior privado dominado por grandes corporações, podendo afetar toda a cadeia de formação de profissionais necessários ao país. A afirmação foi feita dentro do cenário de disputa da rede de faculdades da Estácio, uma empresa de educação superior com seus papeis negociados em bolsa de valores, por suas rivais Kroton (a maior instituição de ensino superior privado do mundo, com 1,024 milhão de alunos no Brasil) e a Ser Educacional.

“Cada vez mais um menor número de pessoas vai ter interesse em exercer a profissão de educador. Ou então pessoas com menor qualificação passarão a exercê-la. E isso é muito danoso, principalmente, na formação do ensino básico. As escolas privadas são aquelas que formam um maior número de professores para a rede pública. Se estão formando de maneira inadequada, esses docentes também terão menos condição de ensinar de maneira adequada. Quem perde com isso? A própria formação educacional do país – e o país como um todo”, diz Napolitano.

Depoimento de professora na rede Anhanguera, controlada pela Kroton, confirma tal afirmação: “Nós tínhamos uma expectativa muito grande de melhoria das condições de trabalho. As instituições têm lucrado cada vez mais, mas os investimentos em estrutura física, na figura do professor e na formação básica do aluno têm sido cada vez menor”. O relato é de Paula (nome fictício, a professora preferiu não se identificar temendo represálias) e confirma estudos da Fepesp sobre a lucratividade dos grandes grupos do ensino superior privado.

Em recente estudo sobre a saúde financeira de quatro instituições de ensino superior privado de capital aberto (Anima, Ser, Estácio e Kroton), a Federação divulgou que nos quatro últimos anos, de 2011 a 2015, a receita bruta das empresas cresceu 328%, enquanto as condições de trabalho e os vencimentos dos docentes não avançaram, nem de perto, no mesmo ritmo.

Na visão de Celso Napolitano, dois fatores influenciam o crescimento do ensino superior privado no Brasil: a demanda reprimida e as facilidades de financiamento. “A universalização do ensino médio fez com que um número maior de pessoas estivessem aptas a cursar a universidade. As facilidades em termos de financiamento oferecidas pelo governo federal constituem um segundo fator. Você tem as pessoas dispostas a fazer os cursos, o número de vagas nas federais ainda pequeno e a facilidade do subsídio que propiciou que grupos internacionais viessem para o Brasil e oferecessem cursos a preços convidativos”, explica.

As fusões dos grandes grupos e a elevação de mensalidades acima da inflação fazem da educação superior privada um interessante negócio. “Essas empresas mercantilistas que vêm para o Brasil pouco se preocupam com a qualidade de ensino oferecida. Portanto, pouco investem na qualificação do professor e também procuram diminuir substancialmente o custo fixo. O custo fixo é a mão de obra, ou seja, o salário do docente”, diz Napolitano.

Para a professora da Anhanguera, o descaso é sentido dentro e fora da sala de aula, da ausência de remuneração pelo tempo empregado em correções de provas e trabalhos, por exemplo, à falta de subsídios para participação em congressos. “Como as matrizes curriculares mudam com frequência, o estudo em casa é muito grande. Correção de trabalhos e orientação de TCC demandam um tempo enorme. Esse trabalho praticamente não é remunerado. A solução é o investimento. Oferecer cursos é interessante? Sim, mas precisa de remuneração. Não basta exigir que o professor faça um curso se não há a possibilidade concreta de realizá-lo”, conta.

As declarações de Celso Napolitano e da professora da rede Anhanguera foram parte de entrevista realizada pela rede de TV Novo Tempo, com veiculação prevista para esta semana.

*Milena Buarque é jornalista da Fepesp

Antônio Augusto de Queiroz

O presidente interino Michel Temer apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/16, com o propósito de instituir um novo regime fiscal ou um novo teto para o gasto púbico, que terá como limite a despesa do ano anterior corrigida pela inflação. A regra de congelamento do gasto público em termos reais valerá por 20 anos, período durante o qual o dinheiro economizado será canalizado para pagamento dos juros e do principal da dívida.

Como tem sido regra nos governos neoliberais, os alvos para os cortes de despesas são os trabalhadores, os servidores e os serviços públicos e benefícios destinados à população, especialmente nas áreas de educação e seguridade (saúde, previdência e assistência), além de pessoal, que constituem grandes despesas.

A prioridade da PEC, que será complementada pela reforma da previdência, será seguida de outras medidas de ajuste, que serão adotadas em nível infraconstitucional. Entre as quais, já se tem conhecimento das seguintes: 1) a dispensa de servidor por insuficiência de desempenho; 2) mudanças nos critérios de progressão e promoção de servidores; 3) restrições na concessão de pensões, nas aposentadorias por invalidez e no auxílio-doença; e 4) novo arrocho na concessão do abono do PIS/Pasep e do seguro-desemprego.

O principal alvo da PEC do novo regime fiscal, como já se pode notar, são os servidores públicos. Entre as travas incluídas na PEC, pelo menos quatro delas se refere ao gasto com pessoal, mediante a proibição de qualquer medida que amplie a despesa, como: 1) de reajuste salarial; 2) de criação de novos cargos ou funções; 3) de reestruturação de carreira; e 4) realização de concursos públicos.

A PEC do teto do gasto público também desvincula, de percentual da receita de impostos, as despesas com educação e saúde, que não poderão superar o gasto do ano anterior após corrigido pela inflação. Este, seguramente, é o maior retrocesso dos últimos tempos, porque interrompe a trajetória de acesso da população mais pobre aos serviços público de educação e saúde.

Na área da saúde – sem prejuízo do corte nas áreas da previdência e da assistência que será objeto de outra PEC especifica – a PEC do teto de gasto revogará o art. 2º da Emenda Constitucional 86/15, em vigor, que determina o repasse da União em gastos mínimos com saúde em 13,3% da Receita Corrente Líquida para 2016; 13,7% para 2017; 14,1% para 2018; 14,5% para 2019; e 15% a partir de 2010.

Para não dizer que a economia incidirá apenas sobre os trabalhadores, os servidores e os benéficos e serviços sociais, o governo incluiu uma regra que proíbe a concessão de subsídios e de novas concessões de incentivos tributários. Porém, não há qualquer aumento de tributo sobre os mais ricos, só corte de direito dos mais pobres e dos que vivem de salário e de aposentadoria e pensões.

O que preocupa, do ponto de vista do interesse geral da população, é que o governo – logo após aprovar a desvinculação de receita, em 30% para União, estados e municípios – investe mais uma vez sobre os serviços públicos e os benefícios sociais, incluindo seguridade e salario.

O pretexto é o de redução da relação dívida/PIB, mas o objetivo mesmo é criar condições para a geração de superávit primário suficiente para pagar os juros e parcela do principal da dívida.

A PEC do teto terá forte reflexo negativo na prestação de serviços públicos, que já são insuficientes, porque não poderá haver expansão do gasto, mesmo que o PIB venha a crescer ou a receita corrente líquida aumente. O reajuste dos servidores será mantido.

Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap.

E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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